domingo, 6 de setembro de 2009

Recentes precedentes do STJ continuam, com acerto, não interferindo no mérito de sentenças arbitrais estrangeiras

SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSE. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. MÉRITO DA DECISÃO ARBITRAL. ANÁLISE NO STJ. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ORDEM PÚBLICA. 1. O pedido de homologação pode ser proposto por qualquer pessoa interessada nos efeitos da sentença estrangeira. 2. O mérito da sentença estrangeira não pode ser apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, pois o ato homologatório restringe-se à análise dos seus requisitos formais. Precedentes. 4. O pedido de homologação merece deferimento, uma vez que, a par da ausência de ofensa à ordem pública, reúne os requisitos essenciais e necessários a este desideratum, previstos na Resolução nº 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça e dos artigos 38 e 39 da Lei 9.307/96. 4. Pedido de homologação deferido. (SEC 3.035/FR, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/08/2009, DJe 31/08/2009)

SENTENÇA ESTRANGEIRA. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO NO PROCEDIMENTO ARBITRAL. INEXISTÊNCIA. ART. 39, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.307/1996. 1. Comprovado que o requerido foi devidamente comunicado de todos os atos do procedimento arbitral, tendo a requerente, inclusive, trazido aos autos os recibos fornecidos pela empresa encarregada da postagem, não há que se falar em nulidade da citação. 2. Presentes os requisitos indispensáveis à convalidação da sentença estrangeira, não havendo ofensa à soberania nacional ou à ordem pública, deve ser deferido o pedido de homologação. 3. Sentença estrangeira homologada. (SEC 3.661/GB, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/05/2009, DJe 15/06/2009)

SENTENÇA ESTRANGEIRA. JUÍZO ARBITRAL. CONTRATO INTERNACIONAL FIRMADO COM CLÁUSULA ARBITRAL. CONTRATO INADIMPLIDO. LEI 9.307/96 (LEI DE ARBITRAGEM), ARTS. 38, III E 39, PARÁGRAFO ÚNICO. SENTENÇA HOMOLOGADA. 1. Contrato internacional de fornecimento de algodão firmado entre agricultor brasileiro e empresa francesa, com cláusula arbitral expressa. Procedimento arbitral instaurado ante o inadimplemento do contrato pela parte brasileira. 2. Nos termos do art. 39, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, é descabida a alegação, in casu, de necessidade de citação por meio de carta rogatória ou de ausência de citação, ante a comprovação de que o requerido foi comunicado acerca do início do procedimento de arbitragem, bem como dos atos ali realizados, tanto por meio das empresas de serviços de courier, como também via correio eletrônico e fax. 3. O requerido não se desincumbiu do ônus constante no art. 38, III, da mesma lei, qual seja, a comprovação de que não fora notificado do procedimento de arbitragem ou que tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando sua ampla defesa. 4. Doutrina e precedentes da Corte Especial. 5. Sentença arbitral homologada. (SEC 3.660/GB, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/05/2009, DJe 25/06/2009)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Status constitucional de tratados: Decreto 6949, ADPF 182, DL 186

Foi publicado o Decreto no. 6949, de 25 de agosto de 2009. Este decreto promulga a Convenção da ONU sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência, referida na postagem abaixo. Este é o primeiro caso de tratado aprovado com status de norma constitucional, como permitido pela EC 45.

Uma coisa me ocorreu com a publicação deste Decreto. Tradicionalmente, tratados exigem a publicação de decretos para serem promulgados e passarem a possuir efeitos internos no ordenamento brasileiro. Todavia, Emendas Constitucionais não estão sujeitas ao processo de sanção/veto presidencial -- isto é, o Executivo não participa de seu processo legislativo.

Uma vez que esse tratado foi aprovado com status de emenda constitucional, ele está sujeito a necessidade de decreto presidencial? Minha impressão é de que tratado e emenda são coisas distintas, que passam por processos legislativos (em sentido amplo) de naturezas distintas. Mas não deixa de ser interessante pensar a respeito.

Outra coisa é que a ADPF 182 foi ajuizada antes da publicação do Decreto. Será que o STF vai levar isso em consideração quando da decisão sobre a admissibilidade da ADPF? Seria uma questão interessante para ser analisada pelos ministros.

O que vocês pensam a respeito?

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

RO-72: Imunidade de Jurisdição e DHs

Saiu no último informativo do STJ decisão que reconheceu a imunidade de jurisdição alemã pelo afundamento de barco de pesca brasileiro durante a 2a GM.

Este caso é muito parecido com aquele do RO-74. Mas, neste caso, já havia sido feita a citação da Alemanha e esta havia reafirmado sua imunidade. Por isso, o STJ a reconheceu, já que a causa derivava de atos de império.

A íntegra ainda não está disponível, mas já há menção de voto vencido do Min. Luis Felipe Salomão -- o mesmo que no RO-74 discutiu eventual inexistência de imunidade de jurisdição por ato que viola os direitos humanos. Parece que o Min. Salomão vai insistir nesse ponto, o que pode resultar em futura mudança de orientação do STJ. Vamos acompanhar este caso e atualizar o blog se houver novidade.

Note-se, todavia, que neste caso o Relator Min. Noronha mencionou a questão dos direitos humanos, respondendo-a. Diz ele que durante uma guerra os direitos humanos não podem ser entendidos da forma tradicional, servindo apenas para balizar o limite do aceitável para barbaridades e perversidades. Ele chega a dizer que, "se os direitos humanos verdadeiramente importassem, guerras não seriam declaradas." Veja-se seu voto.

O debate parece estar surgindo no STJ e merece ser acompanhado. Aliás, acho que mereceria é um artigo discutindo-o.

BARCO AFUNDADO. GUERRA. ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE ABSOLUTA.

Trata-se de ação de indenização proposta contra a República Federal da Alemanha em razão da morte de pescadores ocorrida em 1943, no litoral de Cabo Frio-RJ. Os recorrentes narram que o barco de pesca foi afundado por um submarino de guerra alemão que percorria a costa brasileira. Afirmam que o comandante do submarino decidiu afundar o barco de pesca com tiros de canhão, não sobrevivendo nenhum dos dez tripulantes. Os destroços do barco foram identificados por pescadores da região, e o fato foi levado à Capitania dos Portos, que enviou inquérito ao Tribunal Marítimo. Posteriormente, o submarino foi abatido pela Marinha de Guerra brasileira, sendo que, entre os sobreviventes resgatados, estavam o então comandante que, interrogado nos Estados Unidos da América, confessou ter afundado o barco. Contudo, em 1944, o Tribunal Marítimo arquivou o caso, concluindo pela ausência de provas de que o barco havia sido abatido pelo submarino alemão. Ocorre que o caso foi ressuscitado em 2001, em razão do trabalho efetuado por um historiador e, nessa segunda oportunidade, o Tribunal Marítimo concluiu que o barco teria mesmo sido afundado pelo submarino de guerra alemão. Em primeiro grau, a ação foi extinta sem julgamento de mérito, ao entendimento de que goza de imunidade diplomática a República Federal da Alemanha, que a ela não renunciou. Isso posto, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso ordinário ao argumento de que a questão relativa à imunidade de jurisdição, atualmente, não é vista de forma absoluta, sendo excepcionada, principalmente, nas hipóteses em que o objeto litigioso tenha como fundo relações de natureza meramente civil, comercial ou trabalhista. Contudo, em se tratando de atos praticados numa ofensiva militar em período de guerra, a imunidade acta jure imperii é absoluta e não comporta exceção. Assim, não há como submeter a República Federal da Alemanha à jurisdição nacional para responder à ação de indenização por danos morais e materiais por ter afundado o referido barco pesqueiro. RO 72-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18/8/2009 (ver Informativo n. 395).


sábado, 11 de julho de 2009

ADPF 182: Conceito de Pessoa com Deficiência

A PGR ajuizou na quinta feira, 09/07, a ADPF 182. Ela busca alterar a definição de pessoa com deficiência prevista no art. 20, par. 2o, da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8742/93), que corresponde a "pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho". Até aí você pensa: cadê o direito internacional?

A ADPF baseia seu argumento na incompatibilidade desta definição com aquela estabelecida no art. 1o da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008. Este decreto foi aprovado nos termos do par. 3 do art. 5 da CF, e possui status de emenda constitucional.

Esta convenção as define como "Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas." Um conceito muito mais amplo do que o da LOAS.

Muito embora a ADPF seja bem intencionada, ela possui um risco de ampliar de sobremaneira aqueles que farão jus a assistência social do Estado -- prejudicando ainda mais as contas previdenciárias do país. Nessa linha, vale a pena destacar que o art. 4 da convenção estabelece que "Em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, cada Estado Parte se compromete a tomar medidas, tanto quanto permitirem os recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação internacional, a fim de assegurar progressivamente o pleno exercício desses direitos, sem prejuízo das obrigações contidas na presente Convenção que forem imediatamente aplicáveis de acordo com o direito internacional."

O problema do Decreto e da ADPF, no fundo, é muito mais sério e integrante de uma questão maior. Refere-se ao esvaziamento do legislativo e da falta de ampla participação social nos debates acerca das políticas públicas do país, em favor de políticas estabelecidas em uma burocracia internacional. Decisões importantes cada vez mais são tomadas fora dos círculos de deliberação democrática nacionais -- onde há accountability dos representantes eleitos -- e implementadas por meio de litígios que invocam contrariedade de normas existentes com as novas normas que possuem hierarquia/status superior àquelas antigas (seja jurídica por serem constitucionalizadas ou seja moral). Este é um fenômeno não discutido no Brasil -- ainda.

Caudilhos, Golpes e Ditadores Democráticos

A atuação situação em Honduras motivou o Wall Street Journal a escrever uma excelente reportagem sobre o caudilhismo na América Latina. Claro que eles passam ao largo da história do Brasil, mas fazem um bom trabalho em falar a respeito da história de caudilhos na América Espanhola.

Não só os caudilhos de direita, que assumiram o controle por golpes usando força militar e passaram à História como ditadores, mas também os atuais caudilhos de esquerda, que usam de métodos pseudo-democráticos para se perpetuar no poder.

Vejam a reportagem no site do Wall Street Journal . Vejam também postagem anterior deste blog, que pergunta se a Venezuela ainda é uma democracia e que apresenta discussão sobre o império da lei e seu uso para perpetuação no poder.

Bom fim de semana!


segunda-feira, 6 de julho de 2009

RO 74: Imunidade de Jurisdição e Dtos Humanos

Queridos leitores, outro dia o STJ decidiu o RO 74. E este blog acha que este caso vai ser bastante citado e discutido em breve. E, aliás, pode ter impacto em situações similares àquela presente no RO 64, já discutido neste blog.

Em resumo, o caso foi o seguinte:

Um barco de pesca brasileiro foi afundado durante a 2a GM por submarino alemão. Arquivado por falta de provas, o caso foi re-aberto por ter sido encontrada, nos EUA, confissão a respeito pelos marinheiros alemães. O juiz de 1a instância decidiu ser caso de imunidade de jurisdição por haver ato de império e extinguiu sem julgamento do mérito. No STJ, a maioria decidiu que a Alemanha deveria ser intimada sobre o processo para renunciar ou não à sua imunidade. Até aí, nada de novo.

Mas é o voto vencido é que interessa no caso. O Min. Luis Felipe Salomão fez uma longa investigação sobre o estado atual da prática internacional a respeito da imunidade de jurisdição (convenção européia, lei americana, projeto da comissão de DI da ONU, decisões de cortes internacionais e estrangeiras, doutrina nacional e estrangeira). Com base nisto, conclui que a imunidade de jurisdição não prevalece mais em casos de violação de direitos humanos. O caso se enquadraria porque o submarino alemão violara a proibição de ataques a não-combatentes.

Os temas ligados aos impactos de violação de direitos humanos sobre institutos tradicionais de direito internacional (e de direito interno também) estão muito em voga. Talvez este voto-vencido seja um sinal de início de no jurisprudência no STJ a respeito? Nunca se sabe: o voto-vencido de hoje pode ser a jurisprudência consolidada da corte de amanhã...

Vejam a ementa abaixo e acessem o inteiro teor neste link.


Quarta Turma

DANOS. 2ª GUERRA MUNDIAL. CITAÇÃO. PAÍS.

O recorrente, descendente de pessoa falecida ao ter seu barco de pesca torpedeado por submarino alemão, em 1943, portanto durante a Segunda Guerra Mundial, pretende do Governo alemão o pagamento de indenização por danos morais e materiais. Consta que, em 1944, o Tribunal Marítimo arquivara o caso por ausência de provas, mas seis décadas depois, em julho de 2001, reabriu-o por provocação da Procuradoria da Marinha, ao tomar conhecimento de provas segunda as quais sobreviventes do submarino alemão, quando abatido, teriam confessado, nos Estados Unidos, que naufragaram o barco pesqueiro. Para o Min. Relator, sem embargo de tratar-se de ato de império que, em tese, não se submete à jurisdição de outro país soberano, o fato é que o estado estrangeiro, nessas hipóteses, tem a prerrogativa de renunciar a sua imunidade e se submeter ao processo. Por isso, deve haver a citação formal da pretensa ré para manifestar-se, uma vez que, no caso dos autos, essa providência não foi efetivada devido ao fato de o feito ter sido extinto sem resolução de mérito no juízo de primeiro grau. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso tão somente para determinar o retorno dos autos à origem para a citação formal da República Federal da Alemanha. Vencido, em parte, o Min. Luis Felipe Salomão, que dava provimento em maior extensão, afastando a imunidade de jurisdição, e determinava o retorno dos autos à origem a fim de o feito ter prosseguimento. Precedentes citados: RO 64-SP, DJ 23/6/2008, e RO 70-RS, DJ 23/6/2008. RO 74-RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 21/5/2009.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Fim da Jurisdição Universal na Espanha

Aproveitando a leva de uma reforma no Judiciário, os deputados espanhóis modificaram o art. 23 da Lei Orgânica do Poder Judiciário daquele país. Este artigo estabelecia a tão falada Jurisdição Universal que autorizava a Audiência Nacional (órgão Judiciário independente) para julgar crimes de lesa humanidade. (O texto integral da reforma foi obtido por este blog neste link).

Após a reforma de 2003 na Bélgica, a Espanha era um dos poucos países (ou o único?) em que um dos seus tribunais mantinha a competência para julgar crimes contra os direitos humanos cometidos em qualquer rincão do planeta. Lembrem-se do caso Pinochet, cuja decisão que o manteve na Grã-Bretanha foi de um juiz (Garzón) com base neste artigo.

Mas, afinal, do que se trata a Jurisdição Universal? Refere-se de uma regra de ampliação de Jurisdição (ou competência para alguns) para que determinados tribunais nacionais (no caso espanhol a Audiência Nacional) sejam competentes para processar e julgar determinados crimes, mesmo que o caso tenha pouca ou nenhuma ligação com o país.

A lei espanhola estabelecia (e continua estabelecendo) diversas hipóteses, como crimes de genocídio, lesa-humanidade e cometidos contra menores. Antes da reforma, que foi obtida nesta quinta-feira por uma aliança de conservadores (PP) e esquerdistas (PPOE) (confira-se reportagem no El País e na BBC), a Espanha podia processar e julgar qualquer pessoa, em qualquer país. Assim, possíveis crimes cometidos por oficiais americanos (Guantânamo), israelitas (bombadeio em Gaza) e africanos (Ruanda) foram levados à investigação naquela corte.

Nem todos estão tristes com essa mudança. Dentre os aliviados, estão o governo espanhol, que sofreu até ameaças da retaliações da China por investigações a respeito do tratamento dado aos tibetanos, mas também aqueles que acreditam que se deve limitar a aplicação do direito internacional (ou até mesmo dos direitos humanos). Até mesmo o Presidente do Tribunal Supremo (Trib. Constitucional espanhol), Carlos Dívar, defendeu o fim da aplicação da lei para estrangeiros.

Apesar da falta de eficácia de uma provável decisão, ONGs ligadas aos direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Humans Right Watch, deploraram a decisão (confira-seo manifesto neste link). Defenderam que, apesar da falta de eficácia, tratava-se de um meio eficiente para pressionar os governos a reverem suas políticas e aumentar a publicidade sobre o tema.

Apesar disso, a Audiência Nacional mantém sua jurisdição para os casos anteriormente tratados mas desde que eles tenham alguma conexão com a Espanha, seja por um nacional, seja por outro motivo. Pelo menos eles, os espanhóis, vão poder continuar dormindo tranqüilos.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Denúncia de Tratados no Brasil

Todo mundo aqui aprendeu na escolinha que cabe ao Congresso Nacional aprovar os tratados e convenções, mas que a denúncia era ato unilateral do Presidente da República. Parece que isso vai mudar.

Há duas semanas, foi retomado o julgamento no STF da ADI 1625/DF, que já recebeu os votos dos Ministros Maurício Corrêa, Carlos Britto e Nelson Jobim. O Min. Joaquim Barbosa pediu vista no dia 26/03/2006 e o julgamento foi retomado no Plenário do dia 03/06/2009. Após este voto a Min. Ellen Gracie pediu vista.

Trata-se da interpretação do artigo 49, I, CF/88 que diz cabe ao Congresso Nacional resolver sobre Tratados. Os autores da ADI (CONTAG e CUT) pretendem declarar a inconstitucionalidade da denúncia da Convenção 158 da OIT (Decreto 2100/96). Até o momento, o Min. Nelson Jobim havia votado pela improcedência do pedido e os Mins. Corrêa e Britto pela procedência, entendendo que cabe a oitiva do Congresso Nacional também na denúncia dos Tratados.

O voto do Min. Joaquim Barbosa foi no caminho dos outros Mins. mas com algumas ressalvas. Alguns pontos interessantes do seu voto:
1. Apesar de ausência de norma específica a interpretação conforme a Constituição requer que o art. 49, I, seja visto também como uma mandamento para a denúncia dos tratados.
2. Há o surgimento, no direito comparado, do princípio da "co-participação parlamento-governo em matéria de tratado."
3. Como desde 1977 o STF tem interpretado que os tratados têm (este blog ainda não está no novo português!) força de lei, somente poderiam revogados por um ator posterior de idêntica ou superior hierarquia.
4. Se antes da Emenda 45/2004 os tratados de Direitos Humanos não poderiam ser considerados como Emendas, eles teriam, no entanto, superior à lei e inferior à Constituição.
5. O Poder Executivo manteria a prerrogativa de decidir quais tratados seriam denunciados ou não, ou seja, o monópolio da oportunidade.

A petição inicial defendeu a divisão entre tratados-contrato e tratados-norma, assunto que não foi mencionado pelo Min. Joaquim Barbosa.
No entanto, em seu voto, ele defendeu que a declaração de inconstitucionalidade "somente teria o efetio de tornar o ato de denúncia não-obrigatório no Brasil" (...). Assim o decreto que internacionalizou a convenção continuaria válido internamente, mas a denúncia também seria válida!
Ou seja, valeria para dentro e não para fora. O Presidente da República poderia, portanto, "re-ratificar" o tratado e ele voltaria a produzir efeitos externamente. Até agora: 3x1.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Investimento Estrangeiro em Fazendas

Desde que a sul-coreana Daewoo comprou uma parcela substancial de terras férteis em Madagascar e, em seguida, o governo caiu por conta da operação, as pessoas têm dedicado mais atenção à questão do investimento estrangeiro em parcela susbtancial das terras aráveis de um país.

Neste fim de semana, o Financial Times publicou interessante artigo sobre a questão, neste link. Além disso, a Economist desta semana também tem uma reportagem a respeito, com interessantes dados. A IFAD - International Fund for Agricultural Development (uma agência especializada da ONU) acabou de publicar um relatório analisando a questão.

Não vou opinar muito a respeito porque ainda não li o relatório da IFAD. Mas algumas coisas são interessantes:

(1) vejo um claro paralelo com a situação das primeiras concessões para E&P de petróleo e gás na década de 1950 (cobriam grandes áreas e não exigiam contrapartidas), as quais estão no raiz do problema das nacionalizações posteriores no Oriente Médio;

(2) o investimento estrangeiro pode ser benéfico para o país mesmo sem a exigência de contrapartidas, pois o incremento na oferta de alimentos pode forçar para baixo o preço dos alimentos, permitindo que a população do país-hospedeiro adquira comida mais barata;

(3) ao mesmo tempo, o investimento estrangeiro sem contrapartidas e feito para exportação do produto pode resultar em um incremento das tensões sociais, com a população (ou grupos representativos) percebendo o investimento como um "roubo" de recursos. Este risco é maior quando parcelas população passam fome e vêem a fazenda do "maldito estrangeiro" produzindo alimentos aos quais elas não têm acesso.

O tema é polêmico e interessante. Convido vocês ao debate!

domingo, 17 de maio de 2009

China & EUA - Relação Financeira Int'l

Excelente artigo publicado no NYT sobre a relação financeira internacional entre China e EUA.

Vale a pena a leitura. Clique no link.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Mais Nacionalização de Chávez

Na última terça dia 12 o governo da Venezuela anunciou mais uma nacionalização em seu território. Desta vez o alvo são as empresas de serviço, "essenciais às atividades de hidrocarbonetos". De acordo com a EFE, 60 são as empreas alvo dessa nacionalização, mas no ato apenas 39 foram nacionalizadas.

Esse blog foi xeretar quais as empresas tinham passado para as mãos da PDVSA e descobriu que nenhuma é das gigantes de serviço, como a Schlumberger, por exemplo. Descobrimos que a lei enumera três as hipóteses de serviço considerados essenciais:

1. Injeção de água ou vapor ou gás na reserva para a sua recuperação.
2. A compressão de gás.
3. Atividades no Lago Maracaíbo, principalmente relacionadas com a manutenção de barcas e transporte. 

Dessas hipóteses, apenas empresas relacionadas com a terceira foram nacionalizadas. Apesar de algumas empresas de construção (manutenção de guindastes, eu ainda acho que grua se pode falar em português!), a grande maioria é de empresas de transporte de passageiros. Nada muito grave.

Mas mais nacionalização vem por aí!

Já o responsável pelo ato da nacionalização é o Poder Executivo Nacional e os bens serão destinados à PDVSA. 

A nacionalização e definição do montante a se indenizar deverá ser feito pela "Lei de Expropriação por Utilidade Pública ou Social", de acordo com preço "no livro" da empresa. A lei define ainda que não poderão ser levados em conta Lucro Cessante nem Danos Indiretos e serão dedutidos dos valores os passivos trabalhistas e ambientais (isso se houver, diz a lei, que poderão ser definidos a posteriori).

O pagamento PODE ser em moeda, mas também PODE ser em títulos e obrigações de qualquer Pessoa Jurídica Pública.

Quem quiser conferir a lei: http://bit.ly/IlDlb
E quem quiser conferir o decreto expropriatório: http://bit.ly/JfW82

As 39 azaradas são as seguintes:

1. A&F Marine Center CA
2. American Launch CA
3. Astilleros de Venezuela (ASTIVENCA) CA
4. Zulia Towing and Barge CO, CA
5. COB, SA
6. Consorio Kaplan Industry, Inc and Gulmar Offshore Middle East, LL
7. Constucciones y Soldaduras Pina, CA (CONSOPCA)
8. Construcciones, Reparaciones y Acondicionamientos Flotantes (CRAF), SA
9. Constructora CAMSA
10. Constructora Leonidas (COLCA), CA
11. Costa Bolivar Construcciones, 
12. DE-KO Construcciones Industriales, CA (DEKO.CA)
13. EHCOPECK
14. Gutierrez Escalona (GUTESCA), CA
15. Hermanos Papagallo (HERPA), SA
16. Interlago Transport, CA
17. J & R Construcciones Y Servicios, CA
18. LINEA (LISA), SA
19. Marine Boat Service, SA
20. Montajes de Occidente, SA
21. Nautica Petrolera (NAUTIPETROL), SA
22. Naviera de Occidente (NAO), CA
23. PG Construcciones, CA
24.Precisión Mecánica (PREMECA), CA
25. PRO-TEC International (PTICA), CA
26. Rodan Marine, CA
27. S&B Terramarine Services, CA
28. Sea Tech de Venezuela (SEATECH), CA
29. Zaramela & Pavan Construction Company (Z&P), SA
30. Terminales Maracaibo
31. Tidewater Marine Service (SEMARCA), CA
32. Transporte Acuatico (TACA), CA
33. Transporte y Construcciones Maritimas (TRICOMAR), CA
34 .Transportes Marinos Occidente (TMO), CA
35. Tridente Marine Service (TRIMARCA), CA
36. Tunas Constructions & Corporation (TUNAS), CA
37. Venezoelas de Inversiones y Construcciones Clerico (VINCOLER), CA
38. Venezuela Divers Manteniemento y Servicios, CA
39. Venezuelan Netherland Field Contractors, Sociedad Anonima (VENEFCO)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Mercosul:18 anos!

Esta semana o Mercosul completou 18 aninhos! Qual o balanço que você faz desse tempo? Dê sua opinião!

Ab.,

Érica



Mercosul completa 18 anos: bom momento para pensar o futuro

Valor Econômico – 05/05/2009


O setor privado brasileiro almeja uma zona de livre comércio, realmente livre de barreiras tarifárias e restriçõesO Mercosul está completando 18 anos. O momento é propício para uma reflexão sobre o processo de integração. A crise mundial representa novo desafio para o Mercosul. Pensar sobre os rumos da integração nesse cenário de dificuldades econômicas determinadas pela redução da demanda mundial, pela queda dos preços das commodities, pelo enxugamento das linhas de crédito e pelo acirramento do protecionismo é uma tarefa desafiadora para governos e para empresários.

A estratégia de priorizar a integração do Cone Sul, que vem sendo adotada pelos governos brasileiros desde então, tem sido amplamente respaldada pelo setor privado, em geral, e pela indústria, em particular. O Mercosul desempenhou e continua a desempenhar importante papel na internacionalização das empresas brasileiras.

Os dados do comércio com os parceiros do bloco mostram um resultado extremamente favorável ao Brasil. Em 2008, o superávit brasileiro com os sócios foi de US$ 6,8 bilhões. Desse total, a Argentina foi responsável por US$ 4,3 bilhões. Entre 2004 e 2008, o saldo comercial do Brasil praticamente triplicou.

A importância do intercâmbio comercial do Brasil com os sócios para a indústria brasileira reside na composição das nossas exportações. Essa composição evidencia uma contribuição especial de produtos industrializados. Em 2008, dos US$ 21,7 bilhão vendidos pelo Brasil ao Mercosul, os produtos industrializados representaram 95% do total.

O Mercosul também tem sido importante destino de investimentos diretos de empresas brasileiras em processo de internacionalização. A Argentina, em particular, tem recebido investimentos importantes de empresas brasileiras de portes variados e atuando em diversos setores. A contribuição do setor privado brasileiro para a recuperação industrial daquele país tem sido notável em setores como o siderúrgico, o têxtil, o automotivo e de autopeças, o químico, dentre outros.

As relações políticas e econômicas entre o Brasil e os parceiros do Mercosul, ao longo dos anos, mostram avanços irrefutáveis. Não foram poucas as oportunidades em que os foros de diálogo do bloco propiciaram a superação de conflitos, seja na esfera econômica ou no campo político. Mas continuamos enfrentando muitos desafios. Para o setor industrial, o mais premente deles é a solução para o déficit de implementação dos compromissos acordados e da instabilidade de regras comerciais, que contribuem para um clima de incerteza para a atuação empresarial.

O setor privado brasileiro almeja uma zona de livre comércio no Mercosul, realmente livre de barreiras tarifárias e restrições não-tarifárias. Almeja, também, uma união aduaneira perfeita, caracterizada por uma Tarifa Externa do Mercosul sem exceções e por um Código Aduaneiro Comum que consolide a política comercial dos países em relação ao exterior.

O Brasil encerrou, em 2008, a presidência brasileira pro tempore do bloco com a frustração de: I) não ter obtido a aprovação do Código Aduaneiro do Mercosul; II) não ter concluído a tarefa de eliminação da dupla cobrança da TEC intra Mercosul; e III) não ter alcançado um compromisso entre os países sobre a distribuição da renda aduaneira.

Os avanços também foram escassos na agenda de negociações externas do Mercosul. Os acordos firmados têm pouco significado econômico. No período recente, diferenças nas políticas econômicas e nas preferências por modelos de inserção internacional tornaram mais difícil manter a coesão do bloco nas negociações externas. Para nós, a solução é focar nos interesses econômicos para viabilizar acordos comerciais de maior peso, incluindo acordos com países desenvolvidos, e continuar trabalhando para a conclusão bem sucedida da Rodada Doha da OMC.

Por fim, entre os grandes desafios do Mercosul está a adesão da Venezuela ao bloco. Os interesses econômicos do Brasil na Venezuela são relevantes. O superávit comercial brasileiro, em 2008, foi de US$ 4,6 bilhões. Contudo, esse resultado não dependeu da adesão do país ao Mercosul, cujo Protocolo ainda não foi aprovado pelo Congresso brasileiro. A avaliação da CNI é de que a adesão seja concluída no momento em que houver equilíbrio entre direitos e obrigações. Neste sentido, será importante contar previamente com a adesão da Venezuela às normas já aprovadas pelo Mercosul, bem como garantir o acesso ao mercado venezuelano.

A crise mundial representa, em si, o maior desafio para o processo de integração. A queda da demanda mundial e a ausência de crédito estão contribuindo para o acirramento do protecionismo, que pode se converter no maior perigo para o processo de integração entre os países. Os números do comércio nesses dois primeiros meses do ano revelam uma retração importante, comparativamente aos meses do ano passado.

As exportações brasileiras para o Mercosul experimentaram uma queda que beira os 50%. Neste cenário, não nos parece conveniente a adoção de restrições ao comércio que não contribuem para a superação da crise e, por outro lado, tendem a provocar conflitos setoriais com impactos nas cadeias produtivas.

A criatividade será importante neste período de dificuldades. Instrumentos como o comércio em moeda local - mecanismo já existente entre Brasil e Argentina - poderão contribuir para a recuperação dos fluxos comerciais. A realização de estudos sobre acesso a novas linhas de crédito e também sobre medidas de aperfeiçoamento do Convênio de Crédito Recíproco - o CCR que é utilizado no comércio na esfera da Aladi - podem apoiar o processo de integração, evitando retrocessos nos compromissos do Mercosul.

Armando Monteiro Neto é presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Imunidade de Jurisdição do Irã (ainda 1979!)

A Suprema Corte americana decidiu na última terça-feira, dia 21, um caso interessante que envolveu arbitragem internacional, imunidade de jurisdição e terrorismo. Eu não tenho aqui a citação completa (556 US ??? 2009, que é provavelmente pouco útil para os leitores), mas quem quiser ler pode conferir em: http://tinyurl.com/ca3r7o.

Em resumo, para os preguiçosos leitores, o Irão obteve um laudo arbitral contra empresa americana (Cubic Defense Systems) e buscou seu reconhecimento na justiça americana, com sucesso. O laudo havia reconhecido o direito de o país perceber $2,8 milhões.

Depois disso, Elahi, cujo irmão foi supostamente assassinado durante a Revolução, requereu e obteve uma farta indenização ($312 milhões, danos morais e punitivos) em face do Irã, que simplesmente ignorou o processo, alegando imunidade de jurisdição.

Elahi aproveita a vitória do Irão no caso anterior e tenta obtê-lo para si (o caso é tratado como propriedade) como meio de satisfação de sua indenização. As cortes distritais e de apelação dão causa a Elahi por acreditar que, em razão de se aplicar a legislação especial do terrorismo, os bens poderiam ser objeto de execução, caso tivessem sido bloqueados anteriormente pelo governo americano.

A Suprema Corte, no entanto, não acreditou que os bens estariam bloqueados em função de tratados posteriores (Algiers Accords) ao conflito terem liberado os montantes do Irão (os tratados também criaram uma corte arbitral para ambos os países). Só que ao analisar se os bens teriam sido bloqueados novamente após uma ordem do Presidente Bush em 2005, a Corte entendeu que seria caso de voltar para as instâncias inferiores e assim não decidiu esse tópico (mas que não foi impeditivo para resolver a questão).

Fato relevante ainda que na corte arbitral criada pelos Algiers Accords, nos anos oitenta, o Irã propôs duas ações contra os EUA com relação ao contrato com a Cubic e apenas um foi analisado, sem aceitar os pedidos do reclamante.

Ocorre que, após o pedido de Elahi para que o dinheiro do Irã no processo da Cubic fosse considerado seu, ele entrou em acordo com o governo americano. Acordo este que explicitamente condicionava que a parte beneficiada (Elahi) iria abster-se de questionar qualquer bem que servisse de satisfação para processo em andamento em tribunal internacional.

A Suprema Corte entendeu então que Elahi abriu mão do seu direito ao receber a indenização do governo americano, já que ainda havia uma ação correndo, desde 1982, no tribunal criado pelos Algiers Accords.

Como nota, a Suprema Corte admitiu que os bens de um Estado, desde que seja ele próprio ou de agente direto seu (tal qual o Ministério da Defesa) dispõem de imunidade de jurisdição, mas que é relativizada em certos casos de terrorismo. Dispôs também que os danos de um contrato não se confundem com o seu conteúdo (no caso, tecnologia bélica).

Moral da história: o Irã é quem tinha a maior possibilidade de ganhar no processo arbitral e ainda assim isso o beneficiou, já que para o tribunal importava apenas que ação estivesse correndo. 

Parabéns, Irã, pelos seus 30 anos de Revolução. :-)

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Espanhol na Casa Branca

Na segunda (20/04), o Secretário de Imprensa, Robert Gibbs, falou pela primeira vez em espanhol nos tradicionais briefings presidenciais. Na verdade, um tradutor falou em seguida ao seu pronuncimento, mas já é um grande passo! E é um tradutor hispânico (pelo sotaque). 

Já o conteúdo é notícia esquentada: menos restrições para enviar dinheiro e viajar para Cuba. Diferentemente do Brasil, não há uma língua oficial nos EUA. Vale conferir: http://tinyurl.com/d683sb

terça-feira, 21 de abril de 2009

Alien Tort Statute: desejável?

Esta é a questão que os professores Curtis Bradley (Duke) e Jack Goldsmith (Harvard, ex-UofC, ex-Office of Legal Counsel na administração Bush) analisam no artigo Rights Case Gone Wrong, no Washington Post. O assunto é levantado no contexto do processo envolvendo Ford, GM e IBM por venderem caminhões e computadores que foram usados pelo governo da África do Sul durante o apartheid.

Essa questão, na verdade, envolve a discussão sobre se a jurisdição universal é desejável e sobre qual a melhor perspectiva a respeito de direitos humanos: idealista ou pragmática. Há argumentos de lado a lado. Ainda vou fazer uma postagem a respeito, mas gostaria de ouvir o que vocês acham.



sábado, 18 de abril de 2009

América Latina: "A escolha é nossa"

A responsabilidade por aceitar caudilhos, pobreza, atraso e manter um olhar voltado para o passado é dos próprios latino-americanos, não de um governo externo qualquer (principalmente os EUA). Isto é o que diz Miriam Leitão no artigo A escolha é nossa, publicado no O Globo de 18/04/09 (sábado). Em particular, este parágrafo merece destaque:

"A América Latina tem muitas mazelas: pobreza, desigualdade, exclusão, racismo. O problema é que, ao lutar contra elas, os líderes preferem culpar alguém ou algo externo. Dependendo da época, muda o culpado. Pode ser o colonizador, os Estados Unidos, o imperialismo, as multinacionais, a CIA, a dívida externa, a trilateral, o capitalismo, o FMI, o neoliberalismo. O inferno são os outros, e nunca as escolhas da região, os governantes eleitos ou tolerados, a indulgência com os erros, a corrupção."

De fato, cabe a nós mesmos tomarmos as rédeas do nosso futuro e construírmos um país melhor para nossos filhos. Ao invés de esperar sentados que o Estado atue para prover bens e recursos, temos que agir e ajudar no desenvolvimento do País. A frequência com que se culpa fatores externos (agentes estrangeiros ou "forças superiores" como corrupção, ineficiência, etc.) para explicar o porquê não fazemos nada concreto é impressionante. Precisamos de idéias e políticas novas, que não dêem o peixe mas ensinem a pescar. "Quem tem fome tem pressa", pode-se dizer. Mas sacrifícios são necessários: de nada adianta ficar alimentando o sujeito e nada ser feito para mudar o futuro dele.

Abraços a todos.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Importação de Pneus Usados

O STF começou o julgamento da ADPF 101, a respeito da questão envolvendo a importação de pneus usados -- que já foi objeto de decisão em tribunal arbitral ad hoc do Mercosul (por iniciativa do Uruguai) e na OMC (por iniciativa da União Européia). Vejam aqui o link para o Informativo 538 do STF, que traz informações sobre o voto da Min. Carmen Lúcia. A petição inicial pode ser acessada neste link.

Comentários à decisão da Ministra e sobre as questões envolvidas no caso seriam bem vindos!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Papel da ONU na Somália

Seguem dois artigos mais ou menos sobre o mesmo tema. Um tratando da morte e sequestro de diversas pessoas na Somália. As forças de paz da ONU deveriam agir?

O outro artigo trata do pedido da Hilary ao Japão para que considere a possibilidade de que os navios japoneses se mobilizem para protejer navios estrangeiros na costa da Somália. E usa como argumento a necessidade de "um papel mais ativo [do japão] em operações de manutenção da paz das Nações Unidas".

Algumas questões:

Proteção aos navios é a prioridade na manutenção da paz? Os navios merecem mais proteção que as pessoas morrendo? É esse o papel da ONU? Se fosse realmente uma questão de manutenção da paz, uma preocupação com os seres humanos daquela região (não com os navios estrangeiros), não deveria o conselho de segurança votar uma ação dos boina azuis nesse sentido? Se há previsão na carta de atuação direta das forças da ONU, porque insistir que outro país o faça?

O fato é que exércitos de países ocidentais servindo sob a bandeira das Nações Unidas tornaram-se exceções raríssimas. As nações mais poderosas estão esvaziando a atuação da Onu cada vez mais. As operações militares bem-sucedidas da última década (Kosovo em 1999, Timor Leste em 1999 e Serra Leoa em 2000) não foram conduzidas pelas Nações Unidas, mas por “coalizões voluntárias”. Como disse Samantha Power em um artigo do Le Monde Diplomatique "Em vez de reforçar estruturas coletivas que permitam efetuar tarefas humanitárias e de manutenção da paz, essenciais, os países ricos decidiram formar blocos do eu-sozinho ou ficar no canto deles." E com isso a ONU fica cada vez mais desacreditada...

Outro ponto que acho no mínimo curioso é que o pedido para que o japão esqueça ou ignore as caracteristicas pacifistas presente em diversos artigos da sua constituição, vem justamente de quem escreveu (junto com os outros aliados) a constiuição do japão no fim da segunda guerra. Não é interessante como a história dá voltas?

COMENTEM!

bj

17/02/2009 - 10h51
Hillary pede que Japão proteja navios contra piratas na Somália
da Efe, em Tóquio
A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pediu nesta terça-feira ao ministro da Defesa japonês, Yasukazu Hamada, que os destróieres que começarão a patrulhar em águas somalis a partir de março defendam todo tipo de navio do ataque de piratas.
Efe

Hillary pede que Japão fortaleça ação contra os piratas somalis
Hillary se reuniu com Hamada antes de participar de um colóquio na Universidade de Tóquio e se reunir com o primeiro-ministro japonês, Taro Aso, durante sua visita oficial no Japão.
A secretária americana expressou a Hamada sua esperança de que o Japão considere a possibilidade de que os navios de guerra que vão se mobilizar protejam navios estrangeiros em situações de emergência, mas reconheceu as dificuldades legais disso, informou a agência local Kyodo.
O ministro da Defesa japonês disse que estão considerando uma nova lei que possa autorizar as Forças Navais de Autodefesa japonesas a agir em casos nos quais os interesses japoneses não sejam diretamente ameaçados.
O Japão deve posicionar dois destróieres em águas do golfo de Áden, para defender navios de bandeira japonesa e com pessoal ou bens japoneses em perigo.
Hillary incentivou o Japão a adotar um papel mais ativo em operações de manutenção da paz das Nações Unidas, apesar da Constituição pacifista do Japão colocar obstáculos ao desdobramento de Forças Armadas, exceto por motivos de autodefesa.
Na opinião da chefe da diplomacia americana, o Japão adotou um papel muito importante em relação à pirataria no Chifre da África e terá um papel crítico em alguns pontos de alto risco, disseram fontes japonesas à Kyodo.

Terroristas atacam base militar da União Africana na Somália e matam dez
da Efe, em Mogadício

Ao menos dez pessoas morreram neste domingo em ataques suicidas com bombas cometidos contra uma base da Missão da União Africana (UA) na Somália (Amisom) em Mogadício.
Um militar ugandense da missão, que pediu para não ser identificado, disse à agência Efe que um dos dois suicidas, que carregava um cinto com explosivos, "fingiu ser um vendedor ambulante de bananas, atraindo vários soldados e, quando estavam perto dele, fez explodir a bomba".
Segundo a fonte, cinco soldados, dos quais não especificou se eram de Burundi ou Uganda, morreram e outros militares ficaram feridos, enquanto três civis que estavam nas proximidades também morreram, informação que não foi confirmada pelo porta-voz da UA em Mogadício.
Os outros dois mortos são os terroristas que detonaram os explosivos que carregavam quando entraram no prédio da antiga Universidade Nacional de Mogadício, utilizada atualmente como base do contingente militar burundinês da Amisom, disse por telefone à agência Efe o porta-voz do Shabab Sheikh Mukhtar Rowbow Ali.
"Dois de nossos mártires detonaram seus explosivos contra os cristãos do Burundi enquanto assistiam à missa", disse Rowbow Ali, que explicou que um dos suicidas levava uma bomba amarrada à cintura e o outro transportava explosivos num automóvel, jogado contra as tropas burundinesas.
Sequestro
O porta-voz do Shabab identificou os dois insurgentes como Ahmed Sheikhdon Sidow e Mursal Abdinoor Mohammed. Ainda segundo ele, "vários soldados morreram nas explosões".
No entanto, o porta-voz da missão de paz africana, capitão Berigye Ba-Hoku, desmentiu o Shabab, e disse que as explosões foram de morteiro, mas não confirmou se houve baixas entre os soldados da Amisom.
Já testemunhas asseguraram que houve um ataque com carro-bomba, mas que o veículo explodiu "perto da base" da Amisom, e não dentro da mesma.
Enquanto isso, em Puntlândia, região autônoma do norte da Somália, um grupo armado sequestrou hoje um empregado estrangeiro de uma companhia mineira e seu tradutor somali, que iam de Bossaso, a capital regional, à localidade de Taleh.
Um comunicado do Ministério de Segurança de Puntlândia informou que o estrangeiro é de origem paquistanesa e com cidadania britânica, e que foi sequestrado junto com seu tradutor local depois que um grupo de 15 homens fortemente armados atacou o veículo no qual viajavam.

Fonte: Folha de SP.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sequestro Int'l de Menores: Caso Sean

Esta postagem está mais é para o blog da Nádia sobre Haia em Debate, já que não sou muito fã de disputas envolvendo direito de família. Mas o assunto está cada vez mais em voga.

O NYT de 24 de fevereiro reportou no artigo "Court Battle Over a Child Strains Ties in 2 Nations" o caso do menor Sean, que envolve Brasil e EUA no tocante à aplicação da Convenção de Haia sobre sequestro int'l de menores.

Em resumo, uma brasileira era casada com um americano e veio para o Brasil com a criança. Pediu divórcio e disse que ia ficar no Brasil com o filho. A justiça americana decidiu que a vinda da criança para o Brasil era ilegal e mandou a mãe devolver o filho. A decisão foi ignorada e o pai entrou com uma ação na justiça brasileira.

A justiça federal decidiu que, de fato, a vinda da criança para o Brasil era ilegal, mas que o garoto já estava adaptado ao novo ambiente e que seria no melhor interesse do menor ele ficar aqui. O art. 12 da Convenção prevê essa possibilidade.

Para piorar, depois de se divorciar do americano, a brasileira se casou com um brasileiro (João Paulo Lins e Silva -- alguém conhece esse sobrenome?) e faleceu. O padrasto entrou com ação na justiça estadual para ter a paternidade sócio-afetiva reconhecida e manter a criança sob sua custódia. A União entrou com ação de busca e aprensão contra o padrasto, pautada na Convenção de Haia e pediu na Justiça Estadual para que a causa fosse deslocada para a Justiça Federal

O caso gerou dois conflitos de competência, recentemente decididos pelo STJ: CC 100.345 e CC 101.885. O STJ determinou que o caso deve ser decidido pela Justiça Federal, no que foi percebido como uma vitória para o pai americano. (Tentei linkar o inteiro teor da decisão do STJ mas só está disponível a decisão no AgRg. Tenho a cópia do inteiro teor comigo e envio por email se alguém quiser.)

Em paralelo à batalha jurídica, o pai americano está fazendo o que os americanos fazem melhor do que ninguém no planeta: lobby. Ele tem um website chamado "Bring Sean Home" e compila as aparições na mídia e documentos a respeito do caso. Pasmem, o sujeito está pressionando nas duas casas do Congresso americano para que sejam passadas resoluções pedindo o retorno do garoto. Claro, o assunto já está sendo objeto de conversas diplomáticas entre Brasil e EUA (vejam o NYT).

O assunto de divórcios int'is e batalhas int'is por guarda de menores está ficando em voga ultimamente. A Economist de 05 de fevereiro publicou um artigo sobre o assunto, apontando que com a maior circulação de pessoas, casamentos internacionais se tornaram mais comuns. E, como vários desses casamentos envolvem casais muito ricos, é comum haver elos com diversos países (ativos, residência, domicílio, emprego), o dá margem a complexas questões sobre lei aplicável e movimentos estratégicos envolvendo a jurisdição internacional. Claro, essas disputas costumam custar centenas de milhares de dólares e deixam os advogados internacionalistas muito felizes. Numa parte muito interessante, o artigo comenta vantagens e desvantagens variadas de algumas possíveis leis aplicáveis (guarda da criança, divisão de bens, validade de pactos pré-nupciais, relevância de culpa para fim do casamento, etc.).

Enfim, o tópico está cada vez mais relevante e achei interessante compartilhar esse material. Alguém tem alguma consideração sobre o assunto? Conhece mais algum caso interessante sobre a Convenção de Haia?

Atualização! O Arthur me enviou link em 28 de fev. para reportagem do O Globo que afirma que o americano estaria nessa disputa motivado por dinheiro. Dêem uma olhada!

Atualização 2! O Jorge me enviou link em 05 de março para reportagem no G1 informando que o assunto está sendo discutido entre o Departamento de Estado americano e o Ministério de Relações Exteriores do Brasil.

Atualização 3! Deu no Fantástico! Vejam no link.

Abraços a todos!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Venezuela: ainda uma democracia?

Segue interessante texto de um professor daqui de Chicago. Pergunto a vocês: Venezuela ainda é uma democracia? Há uma ditadura plebiscitária na Venezuela? "Rule of law" permite (ou deveria permitir) uma ditadura plebiscitária? Chavez é um líder legítimo?

Hugo Chavez and the Rule of Law

Hugo Chavez goes to the polls in his second bid to amend the Venezuelan Constitution to eliminate presidential term limits. Should he lose, he has vowed to leave office when his current term ends in 2012; should he win, he hopes to rule for life. Chavez’s success seems likely because he has learned to manipulate the rule of law in his favor.

Chavez’ power grab, pursued through perfectly legal channels, exposes the Achilles’ heel of the rule of law: so long as you abide by its principles, you can do just about anything, including changing the rules to extend your control. The rule of law, as conventionally defined, requires that laws be clear, open, and equally applied to individuals and government alike. In recent years, it has become the subject of overlapping international consensus, such that dictatorships and democracies from Beijing to Burundi proclaim its virtues. The World Bank and other international donors have poured billions of dollars into improving the rule of law around the world. Everyone likes the principle because it promises procedural order and straightforward implementation of the rules, whatever they might be.

Chavez has been crafty in manipulating this set of understandings. In December 2007, voters narrowly rejected Chavez’ proposed constitutional amendments, which included both the abolition of term limits and the expansion of emergency presidential powers. Some human rights groups and the United Nations condemned that proposal, mainly for the low bar to invoking a state of emergency. This time Chavez has been careful to restrict the amendment to the abolition of term limits, and the international community has been quiet. Polls suggest that he will be successful, setting up the probability that Chavez will serve until 2018 and beyond.

There is, of course, nothing inherently undemocratic about constitutional amendments extending the term of leaders: indeed, one can argue that by artificially preventing voters from choosing a candidate they might prefer, term limits are themselves undemocratic. Yet there is something unseemly about a ruler in a democracy serving for life. Democracy is ultimately about processes, not personalities, and so we naturally are suspicious of a ruler who seeks to stay on forever.

From the perspective of the rule of law, the key question is whether rules on presidential terms are properly enacted. In the old days, a Latin American leader bent on extending his rule would simply have replaced the constitution after his bid to amend it failed. Indeed, Venezuelan history is littered with 24 discarded constitutions, second only to the Dominican Republic (29) in its rate of turnover.

Unlike many of his predecessors, however, Chavez was patient enough to wait for another day, paring down his proposal while quietly expanding his control over the media and courts. Chavez is a gadfly and a lightning rod, delivering and receiving epithets with great abandon. Perhaps over time he will ultimately run his country into the ground. But he is smart enough to have figured out that if he follows the rules, he can get away with a lot. Chavez represents a new disturbing kind of ruler for a new age – at a time when most are praising the rule of law, Chavez understands that he can use it to move toward unfettered power.

by Thomas Ginsburg

Site original: http://uchicagolaw.typepad.com/faculty/2009/02/hugo-chavez-and-the-rule-of-law.html

Tom Ginsburg focuses on comparative and international law from an interdisciplinary perspective. He holds B.A., J.D., and Ph.D. degrees from the University of California at Berkeley. One of his books, Judicial Review in New Democracies (Cambridge University Press 2003) won the C. Herman Pritchett Award from the American Political Science Association for best book on law and courts. He has served as a visiting professor at the University of Tokyo, Kyushu University, Seoul National University, the Interdisciplinary Center Herzliya, the University of Pennsylvania, and the University of Trento. He currently co-directs the Comparative Constitutions Project, an effort funded by the National Science Foundation to gather and analyze the constitutions of all independent nation-states since 1789. Before entering law teaching, he served as a legal adviser at the Iran-U.S. Claims Tribunal, The Hague, Netherlands, and consulted with numerous international development agencies and foreign governments on legal and constitutional reform.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Buy American: protecionismo indevido ou estímulo econômico?

Talvez vocês estejam cientes que no American Recovery and Reinvestment Act of 2009 (pacote de estímulo econômico na casa de US$787 bilhões) foi incluída uma cláusula chamada "Buy American". Em resumo, a cláusula exige que os projetos de infra-estrutura previstos nessa lei (em certa medida parecida com o PAC) usem aço, ferro e bens manufaturados nos EUA, exceto nos seguintes casos: (1) interesse público; (2) indisponibilidade no mercado americano; (3) aumento dos custos do projeto superior a 25%.

Com a pressão européia e canadense, foi adicionada na última hora um artigo dizendo que essa cláusula será aplicada de acordo com as obrigações internacionais norte-americanas.

Em que medida esse dispositivo pode se qualificar como uma prática proibida pela OMC? Não sei muita coisa de comércio internacional e queria ouvir a opinião de vocês. O Valor Econômico de 20/02/2009 aponta que Restrição a produto de fora existe desde 1933 e que os argumentos brasileiros são frágeis (transcrita abaixo).

A cláusula e um comentário americano sobre a exceção de direito internacional estão transcritos abaixo.


BUY AMERICAN

SEC. 1605. Use of American Iron, Steel and Manufactured Goods

(a) None of the funds appropriated or otherwise made available by this Act may be used for a project for the construction, alteration, maintenance, or repair of a public building or public, unless all of the iron, steel, and manufactured goods used in the project are produced in the United States.

(b) Subsection (a) shall not apply in any case or category of cases in which the head of the federal department or agency involved finds that --

(1) applying subsection (a) would be inconsistent with the public interest;

(2) iron, steel, and the relevant manufactured goods are not produced in the United States in sufficient and reasonably available quantities and of a satisfactory quality; or

(3) inclusion of iron, steel, and manufactured goods produced in the United States will increase the cost of the overall project by more than 25 percent.

(c) If the head of a Federal department or agency determines that it is necessary to waive the application of subsection based on a finding under subsection (b), the head of the department or agency shall publish in the Federal Register a detailed written justification as to why the provision is being waived.

(d) this section shall be applied in a manner consistent with United States obligations under international agreements.

The Conference Report on H.R. 1 clarifies the intended use of this provision as follows:
Section 1605 provides for the use of American iron, steel and manufactured goods, except in certain instances. Section 1605(d) is not intended to repeal by implication the President's authority under Title III of the Trade Agreements Act of 1979. The conferees anticipate that the Administration will rely on the authority under 19 U.S.C. 2511(b) [of the Trade Agreements Act of 1979] to the extent necessary to comply with U.S. obligations under the WTO Agreement on Government Procurement and under U.S. free trade agreements and so that section 1605 will not apply to least developed countries to the same extent that it does not apply to the parties to those international agreements. The conferees also note that waiver authority under section 2511(b)(2) has not been used.

Argumentos brasileiros são frágeis, dizem especialistas
Raquel Landim. Valor Econômico. 20/02/2009

Os argumentos jurídicos para o Brasil questionar a cláusula "Buy American" do pacote de estímulo econômico do presidente Barack Obama são frágeis, afirmam especialistas em comércio exterior. Eles dizem que soluções "criativas" poderiam até sustentar uma investigação, mas os resultados são imprevisíveis.

Neste caso, a principal dificuldade do Brasil é que o país não é signatário do código de compras governamentais, estabelecido na Rodada Tóquio. O acordo, que era opcional e do qual participaram apenas 10 países e a União Europeia, impede a discriminação em licitações. Preocupados em manter o poder do Estado para estimular o crescimento, grandes emergentes como Brasil, China e Índia não participam.

Ao redigir o "Buy American", os Estados Unidos tomaram o cuidado de garantir que a lei será aplicada de maneira consistente com as obrigações internacionais, o que significa que não excluir os países signatários do código e também os parceiros em acordos de livre comércio, como México e América Central.
[...]
Segundo Soraya Rosar, coordenadora do departamento de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria (CNI), uma saída seria utilizar o artigo do acordo geral do antigo Gat (predecessor da OMC) que proíbe os países de adotar tratamento discriminatório no comércio internacional. Ela, no entanto, tem dúvidas se um artigo genérico prevaleceria sobre o código de compras governamentais, que é mais específico.

Mário Marconini, diretor de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), enxerga uma outra possibilidade. Ele explicou que o acordo TRIMS, assinado na Rodada Uruguai que regula o comércio de serviços, impede que os países exijam conteúdo nacional para conceder benefícios.

Por esse raciocínio, o Buy American vetaria a contratação de uma empreiteira brasileira para as obras, mas não poderia haver regras para a procedência dos insumos adquiridos pela empresa, como aço ou máquinas. O diretor da Fiesp, no entanto, não está seguro, de que seria possível fazer esse tipo de interpretação para "conteúdo nacional".

Marconini disse que é preciso "ser criativo" e lembra que, nos diversos processos antidumping contra o aço brasileiro, os Estados Unidos chegaram a contestar subsídios concedidos pelo governo na época da privatização de empresas como Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). " Veja só a distância que eles vão nesses processos", disse. Na sua opinião, é preciso analisar um pouco melhor o caso antes de levar para a OMC, mas o Brasil está certo em alertar genericamente contra o protecionismo.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

RO 64: Cite-se a Alemanha pelos eventos da 2a Guerra

A decisão abaixo foi publicada num dos informativos de jurisprudência do STJ e levanta algumas questões muito importantes sobre jurisdição internacional, imunidade de jurisdição e, quiçá, jurisdição universal.

Um judeu francês naturalizado brasileiro processou o Estado alemão para obter indenização decorrente da ocupação nazista na França durante a 2a Guerra Mundial. A sentença de 1o grau extinguiu sem julgamento do mérito por falta de jurisdição internacional* brasileira, já que o caso não se encaixa nas três hipóteses do CPC 88 ou no CPC 89.

Sobre jurisdição internacional, a Min. Nancy afirma que as hipóteses dos arts. 88 e 89 não são exaustivas, invocando Botelho de Mesquita. Mas notem que quando o autor afirma que a enumeração não é exaustiva, ele está dizendo que o código não se preocupou em enumerar todas as hipóteses possíveis. No parágrafo seguinte, ele afirma: "deve-se entender...que não interessou ao Brasil o exercício de sua jurisdição sobre causas que não guardem, com o ordenamento jurídico nacional, nenhum dos pontos de contacto previstos nos arts. 88 e 89 do CPC. A jurisdição é uma atividade onerosa para o Estado, e portanto, para os contribuintes, e não deve ser exercida desnecessariamente. Por isto, em regra, deve-se entender que as causas não incluídas na previsão dos arts. 88 e 89 do CPC se acham excluídas da jurisdição brasileira." Será que houve algum mal entendido na leitura do autor? Não teria sido mais seguro citar autores como Pontes de Miranda, Carmen Tibúrcio ou Gaetano Morelli, que apontam que a jurisdição pré-existe e seria em tese ilimitada? Como vocês acham que deveria ser feita a interpretação dos arts. 88 e 89?

Mais adiante, o autor se refere aos princípios da efetividade e da submissão. O primeiro é descrito como um mecanismo para o Estado brasileiro não exercer jurisdição sobre causas incluídas nos arts. 88 e 89, mas sobre as quais não haveria interesse jurídico. Já o princípio da submissão funciona ao contrário: se o réu se submeter à jurisdição brasileira em hipótese não descrita nos arts. 88 e 89, então ela deve ser exercida.

A decisão aplica o raciocínio sobre o interesse jurídico invocando normas constitucionais, com destaque para o art. 4 da CF (direitos humanos, auto-determinação dos povos, repúdio ao racismo). Em decorrência dos valores esposados pela CF, o Brasil teria interesse na causa. Ou seja, o princípio da efetividade não incide para excluir desde logo a jurisdição int'l brasileira. O interessante é que a corte usou um princípio que eventualmente exclui a jurisdição para afirmar o interesse na causa e a possibilidade de firmar a jurisdição. Vocês estão de acordo com isso? Acham que foi uma boa forma de firmar a jurisdição brasileira?

O passo seguinte é analisar a submissão. Aqui, a corte analisa se haveria imunidade de jurisdição da Alemanha. Dando continuidade à construção jurisprudencial iniciada após a CF de 1988, aplica a tese da imunidade relativa, com base na diferença entre atos de império e atos de gestão. Rejeitando precedente de que a citação deve ser ordenada de acordo com qualificação do ato como de gestão ou império, a corte invoca o RO 57 (caso da família do Jango vs. EUA) para dizer que a qualificação só deve ser feita após a citação do Estado estrangeiro. Ou seja: cita-se o Estado e espera para ver se ele se submete à jurisdição brasileira. Deixando de lado as dificuldades de diferenciação entre ato de gestão e de império, o que vocês acham dessa prática de mandar citar? Se for claramente ato de império, deve mesmo mandar citar? E se for claramente ato de gestão, o que fazer se o Estado estrangeiro não se submeter?

Mas o ponto talvez mais interessante do caso não foi decidido pelo STJ e, talvez, tenhamos que esperar mais alguns anos para ver ser decidido. Vamos assumir que se trata de um ato de império e que a Alemanha não se submeteu à jurisdição brasileira. Pode / deve o Judiciário brasileiro passar por cima da imunidade de jurisdição uma vez que os atos podem ser qualificados como crimes contra a Humanidade?

Outra questão: em que medida essa decisão não corresponde na verdade a uma arrogação de jurisdição universal pelo Judiciário brasileiro?

Várias questões interessantes para debate nessa decisão! Estou ansioso para ouvir suas opiniões.

Clique aqui para acessar o inteiro teor.

*observação: o CPC usa o termo competência internacional para se referir na verdade à jurisdição brasileira. Eu optei pelo termo pleonástico jurisdição internacional para enfatizar que estamos falando de casos internacionais mas que ao mesmo tempo não se trata propriamente de competência.

DANOS MORAL E MATERIAL. ALEMANHA.

O autor, brasileiro naturalizado e residente no Brasil, busca indenização por danos morais e materiais decorrentes de diversas atrocidades de que foi vítima à época da ocupação da França pela Alemanha Nazista. Tais atos tiveram como fundamento, meramente, o fato de ser o autor judeu de nascença e se incluíam num projeto maior de eugenia, com o extermínio do povo judeu na Alemanha Nazista e nos países por ela ocupados. Para a Min. Relatora, dois princípios devem atuar na definição da jurisdição brasileira para conhecer de determinada causa. Além dos arts. 88 e 89 do CPC, que não são exaustivos, deve-se ter atenção, sempre, para os princípios da efetividade e da submissão. Compreendida a atuação deles, resta aplicá-los à hipótese dos autos. No precedente RO 13-PE, DJ 17/9/2007, a competência da autoridade brasileira foi fixada com base no art. 88, I, do CPC e a Min. Relatora firmou que a mesma idéia pode ser estendida à hipótese dos autos – a representação oficial do país, na plenitude, mediante sua embaixada e consulados no Brasil –, ainda destacando que os incisos da referenciada norma legal constituem pressupostos independentes e não conjuntos. Pelo princípio da efetividade, o Estado tem interesse no julgamento da causa. Diante disso, entendeu a Min. Relatora ser imperativo que se determine a citação, no processo sub judice, da República Federal da Alemanha para que, querendo, oponha resistência à sua submissão à autoridade judiciária brasileira. Somente após essa oposição, se ela for apresentada, é que se poderá decidir a questão. Tal medida não encontra óbice nem nos comandos dos arts. 88 e 89 do CPC, que tratam da competência (jurisdição) internacional brasileira, nem no princípio da imunidade de jurisdição que, segundo a mais moderna interpretação, prevalece apenas para as ações nas quais se discute a prática dos atos de império pelo Estado estrangeiro, não sendo passível de ser invocado para as ações nas quais se discutem atos de gestão. Diante disso, a Turma deu provimento ao recurso para determinar a citação da ré. RO 64-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/5/2008.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Direitos Humanos: pragmatismo ou idealismo?

Prezados,

Acho a idéia de direitos humanos muito interessante e acredito que esse discurso pode ajudar no progresso de uma melhor sociedade para todos, ocidentais ou não. Mas um ponto que sempre me deixa pouco confortável é sobre a constante falta de pragmatismo dos defensores dos direitos humanos. Creio que proposições idealizadas que não consideram as distribuições de poder e as limitações impostas pelos fatos sejam auto-destruidoras -- se quiserem, "o ótimo é inimigo do bom" ou ainda "os fatos prevalecem sobre o direito".

Muito interessante, na minha opinião, é que a maior parte dos defensores de uma versão idealizada de direitos humanos muitas vezes não se dá conta disso -- admitem que "direitos têm custos" e crêem que isso é suficiente. Mas não me interessa aqui os aspectos internos dos eventuais custos dos direitos humanos, que é mais discutido no âmbito de Direito do Estado. Gostaria de lançar uma proposta de debate sobre limitações internacionais à noção idealizada de Direitos Humanos (um tópico, que creio, deveria ser objeto da matéria "Teoria dos Direitos Fundamentais" no mestrado da UERJ).

Para começar a reflexão sobre o assunto, segue abaixo uma resposta às críticas da Anistia Internacional ao tribunal que vai julgar se houve violações do Dir. Int'l (genocídio) pelo Khmer Rouge, no Cambodia. O tema é atual porque ontem começou o julgamento de um dos líderes (clique aqui para o link na CNN). O tribunal para o Khmer é claramente um compromisso entre noções ideais e limitações concretas. Maiores detalhes sobre sua cronologia e sobre a legislação a ele aplicável podem ser encontrados neste site de Yale (tem os documentos internacionais, a lei nacional que implementou o tribunal, etc.).

Aguardo suas considerações! Abraços a todos.


Perfection Is The Enemy of Justice
By Dr. Gregory H. Stanton


At least 1.7 million Cambodians died during Khmer Rouge rule in Cambodia from 1975 through 1978. On 13 May 2003, the United Nations General Assembly approved an Agreement between the U.N. and the Royal Government of Cambodia to establish a tribunal to try the surviving leaders of the Khmer Rouge. The Assembly appealed to the international community to provide assistance, including financial and personnel support, to the tribunal.

The Khmer Rouge were driven out of power in 1979, but for years after that the U.S. and other nations voted to seat them in the United Nations, and opposed all efforts to bring them to justice. In 1991, a Cambodian peace agreement was signed and in […] 1997 the Cambodian government requested help from the U.N. to set up a tribunal. The UN appointed a Group of Experts to study the legal case, and in 1999 these jurists recommended establishing a tribunal.

Years of negotiations followed. The U.N. tried to impose a U.N run tribunal. Cambodia insisted that the tribunal be majority Cambodian, under Cambodian law. Agreement was reached in 2001 on a mixed tribunal with a Cambodian majority, but requiring super-majority agreement by international judges for all decisions. Administration will be shared by Cambodian and U.N. officials, prosecutors, and investigating judges. The maximum penalty will be life in prison. The Cambodian National Assembly passed a law to establish the tribunal on these terms.

The devil […] rose again in the details. In February 2002, U.N. negotiators broke off implementing talks, and were only forced back into them by a U.N. General Assembly Resolution passed in December. Amnesty International and Human Rights Watch opposed the Resolution, because it directed the U.N. to base its agreement with Cambodia on the Cambodian law, which they found deficient.

Following negotiations ,an Agreement [was reached] on 17 March 2003. The Cambodian government met four key demands of the U.N. It agreed to amend the Cambodian law to simplify the tribunal’s appeals process, to incorporate the rights of the accused enshrined in Articles 14 and 15 of the International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR), and to affirm that the Vienna Convention on the Law of Treaties prohibits invocation of national law to escape international treaty obligations. With respect to amnesty, the plan states that "the Royal Government of Cambodia would undertake not to request one for any persons who might be investigated or convicted of crimes under the Agreement."

Amnesty International (AI) and Human Rights Watch […] have insisted on another international tribunal, not a court that Cambodians will accept as their own. One of the shortcomings of the Yugoslav and Rwandan tribunals has been their lack of relationship with national legal systems. Throughout its critique, AI ignores the fact that the U.N. – Cambodian Agreement is supplementary to the 2001 Cambodian law. AI fails to even append the text of the Cambodian law to its Report, which includes the Agreement and the Secretary-General’s Report to the U.N. General Assembly.
[...]
AI says that “the proposed mixture of Cambodian and international judges and complicated decision making process has no precedent in any domestic or international court,” ignoring the Sierra Leone tribunal and courts in East Timor and Kosovo, which are also mixed courts.
[...]
AI criticizes the Agreement because it does not include provisions for reparations, calling this a “major retreat from the Rome Statute,” even though such provisions are not part of most common law systems of justice. The Cambodia tribunal will try only a few top leaders of the Khmer Rouge. Ten old men will not have the means to give restitution or compensation to 1.7 million victims. UN Trust Funds connected to tribunals have been notably unsuccessful at raising funds for such purposes. AI wants “rehabilitation, satisfaction, and guarantees of non-repetition” as well. Surely the only satisfaction and guarantees of non-repetition of mass murder that the tribunal can offer are trial and punishment of the perpetrators.

Finally, AI expects the tribunal to help rebuild the entire Cambodian system of justice. By setting an example of fair trials in a well-managed court, it will do so. It is also a reason for making the tribunal a special part of the Cambodian court system and locating it in Phnom Penh. But to reject the Agreement because the court cannot do everything is equivalent to saying that because all law-breakers cannot be captured and tried, none should be.

This all-or-none approach to justice for Cambodia has been characteristic of some human rights groups from the beginning. In 1981, when I asked the International Commission of Jurists to undertake investigations of the atrocities of the Khmer Rouge, the Chairman of the Board refused with the reason that if they could not investigate violations by the Vietnamese-backed government that drove the Khmer Rouge from power, they would not investigate the Khmer Rouge mass murders. All-or-none standards are self-defeating. Perfection is the enemy of justice.
[...]

Dr. Gregory H. Stanton is Founder and Director of The Cambodian Genocide Project; President of Genocide Watch; and Coordinator of The International Campaign to End Genocide.

Bangkok Post, 2003

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Sociedades estrangeiras precisam de autorização presidencial para participar em Limitadas?

Pessoal, eu havia postado essa reportagem no ano passado, mas ninguém deu bola e nem eu mesmo escrevi a respeito. Vou chamar de novo a atenção de vcs para a questão. Ela é muito importante.

A controvérsia gira em torno do art. 1134 do Código Civil: "A sociedade estrangeira, qualquer que seja seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira."
Os pontos centrais: (1) o que são estabelecimentos subordinados; e (2) a parte final, que as autoriza "todavia" a ser acionista de sociedade anônima brasileira.

Uma primeira possibilidade é interpretar estabelecimentos subordinados tanto como filiais etc. sem personalidade jurídica própria quanto subsidiárias com personalidade jurídica própria. Esta interpretação possui embasamento pela parte final, que excepciona sociedades anônimas (o que daria a entender que S/As brasileiras seriam "estabelecimentos subordinados") e, a contrario sensu, proibiria a atuação indireta por meio de quaisquer outras formas societárias (limitadas, comandita por ações, simples, etc.).

A segunda possibilidade é interpretar o art. 1134 em linha com o art. 11, par. 1, da LICC que diz: "Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira." Assim, só seriam "estabelecimentos subordinados" as filiais etc. sem personalidade jurídica própria. Interessante notar que essa interpretação também se ajusta à redação do art. 1136, par. 2, inc. II, que exige inscrição de sociedades estrangeiras em livro especial, no qual constarão "lugar da sucursal, filial ou agência no País.

A parte final do artigo, entretanto, seria deixada meio que sem função. Ao mesmo tempo, essa interpretação seria consistente com a alteração implementada pela EC 6/95, que revogou o art. 171 da CF (que permitia tratamento diferenciado a empresas controladas por brasileiros).

Por outro lado, acho que a interpretação usual da EC no sentido de que não pode haver distinção entre companhias controladas por capital brasileiro ou estrangeiro não implica necessariamente na inconstitucionalidade da primeira interpretação do art. 1134. O art. 1134 se refere à sociedade estrangeira que deseja participar em sociedades brasileiras (que precisaria se registrar), não à sociedade brasileira controlada por estrangeiros.

Pessoalmente, penso que a segunda interpretação é mais apropriada, pela interpretação sistemática descrita acima. A interpretação da advogada mencionada abaixo (inconstitucionalidade) não me convence.

Esse assunto é muito importante, como demonstram os potenciais impactos de se entender que as sociedades brasileiras controladas por sociedades estrangeiras sem autorização do Executivo para tanto seriam sociedades irregulares.

O que vocês acham? Qual a interpretação que julgam apropriada? Por quais argumentos? Vocês enxergam algum argumento adicional para qualquer uma das duas interpretações?


Juízes entendem que estrangeiras sócias de limitadas são irregulares
Zínia Baeta. VALOR ECONÔMICO. 20/10/2008

No início deste ano a Justiça paulista negou a uma empresa o requerimento de falência de um credor por ela ser sócia estrangeira de uma sociedade limitada no país. A 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo entendeu que, por ser cotista de uma limitada e funcionar sem a autorização do Poder Executivo, a empresa seria irregular e, portanto, não teria o direito de pedir a falência de um credor. Em uma outra situação, a Justiça do trabalho da capital paulista autorizou que os sócios de uma sociedade limitada respondessem com seus bens pelos débitos trabalhistas da empresa. A sociedade também foi considerada irregular por possuir sócios estrangeiros e atuar sem a autorização do Executivo. As decisões citadas, ainda que de primeira instância e raras na jurisprudência, ilustram os debates que começam a surgir no Poder Judiciário sobre o funcionamento das sociedades estrangeiras no Brasil.

A discussão sobre a questão surgiu com o novo Código Civil em 2002 e está hoje dividida em duas correntes doutrinárias: uma entende ser necessária a autorização do Poder Executivo para a participação de estrangeiros em limitadas - apesar dos entraves práticos - e que sociedades estrangeiras só poderiam participar de sociedades anônimas no país. A outra corrente defende não existir qualquer empecilho legal para a participação das estrangeiras em empresas limitadas. A questão é no mínimo polêmica, já que o número de empresas atingidas pela discussão é imenso.

O advogado Armando Rovai, professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), defende a necessidade de autorização do Poder Executivo para o funcionamento de sociedades nessas circunstâncias. Segundo ele, a lei veda a participação do estrangeiro nas limitadas sem esse consentimento. Para o professor, o artigo 1.134 do novo Código Civil é claro ao estabelecer essa necessidade. O dispositivo diz que "a sociedade estrangeira, qualquer que seja o objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no país, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo todavia ser acionista de sociedade anônima brasileira".

O juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Alexandre Alvez Lazzarini, levou em consideração esse artigo do Código Civil para negar o requerimento de falência realizado por uma sociedade estrangeira em relação a um credor no Brasil. O magistrado entendeu tratar-se de uma empresa irregular - e, sendo assim, não poderia postular a falência de outra empresa. Lazzarini entende que uma empresa limitada, para ter em seus quadros um sócio estrangeiro, precisa obter a autorização do Executivo para funcionar. Em caso contrário, como afirma, estará sujeita às conseqüências de sua irregularidade. O que, na prática, significa não estar apta a pedir a falência de credores, participar do quadro de credores de uma recuperação judicial ou mesmo pedir a própria recuperação judicial. No entanto, segundo o magistrado, essa mesma empresa poderá figurar como ré em um processo de falência. Para ele, essas circunstâncias poderão ter efeitos também no direito de família, principalmente em relação aos planejamentos sucessórios que costumam utilizar off shores nessas operações.

A juíza do trabalho, Thereza Cristina Nahas, titular da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, defende esse mesmo ponto de vista e o tem aplicado em algumas de suas decisões. Segundo ela, o artigo 1.134 do novo Código Civil é mais um fundamento para aplicar-se a responsabilidade direta do sócio e do administrador pelos débitos trabalhistas da empresa. Nessa situação, eles respondem com seus bens pela dívida.

"Essas decisões judiciais são preocupantes, pois quase toda estrangeira que chega ao país investe em limitadas por ser o procedimento mais simples e baratos", afirma a advogada Tânia Liberman, do escritório Koury, Lopes Advogados (KLA). A advogada entende que o artigo do novo Código Civil não veda essa participação. Para ela, a necessidade de autorização ocorreria apenas para a abertura de uma filial de uma empresa estrangeira no Brasil. Tânia também argumenta que a Constituição Federal proíbe a distinção entre empresas nacionais e estrangeiras. "Uma diferenciação entre empresas brasileiras e com capital estrangeiro seria inconstitucional", afirma a advogada Maria Lúcia de Almeida Prado e Silva, sócia do escritório Demarest e Almeida. A advogada lembra que o próprio Código Civil prevê que no contrato social das empresas deve constar a nacionalidade de seus sócios e o local de sua sede. Os advogados também lembram que o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), em 2003, atendendo a uma consulta da Junta Comercial do Estado do Maranhão, entendeu não existir qualquer óbice na participação de um sócio estrangeiro em uma empresa limitada.

Para o professor de direito comercial da graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito do Mackenzie, Fabiano Del Masso, a exigência de aprovação, pelo Executivo, da participação de um sócio estrangeiro em uma limitada seria um procedimento que traria uma série de entraves às empresas. "Não é uma prática do Executivo e não há regras claras sobre isso", afirma. No entanto, o professor entende que as empresas constituídas nessa situação seriam irregulares. Para ele, a saída para essas empresas é buscar a autorização ou fazer a transformação da limitada em sociedade anônima - cujos custos e exigências são muito maiores. A advogada Tânia Liberman afirma que a abertura de uma filial de estrangeira no Brasil, por exemplo - que exige autorização do Executivo - é um procedimento que demora alguns anos. Se for aplicado às limitadas, o mesmo poderá ocorrer.