sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Papel da ONU na Somália

Seguem dois artigos mais ou menos sobre o mesmo tema. Um tratando da morte e sequestro de diversas pessoas na Somália. As forças de paz da ONU deveriam agir?

O outro artigo trata do pedido da Hilary ao Japão para que considere a possibilidade de que os navios japoneses se mobilizem para protejer navios estrangeiros na costa da Somália. E usa como argumento a necessidade de "um papel mais ativo [do japão] em operações de manutenção da paz das Nações Unidas".

Algumas questões:

Proteção aos navios é a prioridade na manutenção da paz? Os navios merecem mais proteção que as pessoas morrendo? É esse o papel da ONU? Se fosse realmente uma questão de manutenção da paz, uma preocupação com os seres humanos daquela região (não com os navios estrangeiros), não deveria o conselho de segurança votar uma ação dos boina azuis nesse sentido? Se há previsão na carta de atuação direta das forças da ONU, porque insistir que outro país o faça?

O fato é que exércitos de países ocidentais servindo sob a bandeira das Nações Unidas tornaram-se exceções raríssimas. As nações mais poderosas estão esvaziando a atuação da Onu cada vez mais. As operações militares bem-sucedidas da última década (Kosovo em 1999, Timor Leste em 1999 e Serra Leoa em 2000) não foram conduzidas pelas Nações Unidas, mas por “coalizões voluntárias”. Como disse Samantha Power em um artigo do Le Monde Diplomatique "Em vez de reforçar estruturas coletivas que permitam efetuar tarefas humanitárias e de manutenção da paz, essenciais, os países ricos decidiram formar blocos do eu-sozinho ou ficar no canto deles." E com isso a ONU fica cada vez mais desacreditada...

Outro ponto que acho no mínimo curioso é que o pedido para que o japão esqueça ou ignore as caracteristicas pacifistas presente em diversos artigos da sua constituição, vem justamente de quem escreveu (junto com os outros aliados) a constiuição do japão no fim da segunda guerra. Não é interessante como a história dá voltas?

COMENTEM!

bj

17/02/2009 - 10h51
Hillary pede que Japão proteja navios contra piratas na Somália
da Efe, em Tóquio
A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pediu nesta terça-feira ao ministro da Defesa japonês, Yasukazu Hamada, que os destróieres que começarão a patrulhar em águas somalis a partir de março defendam todo tipo de navio do ataque de piratas.
Efe

Hillary pede que Japão fortaleça ação contra os piratas somalis
Hillary se reuniu com Hamada antes de participar de um colóquio na Universidade de Tóquio e se reunir com o primeiro-ministro japonês, Taro Aso, durante sua visita oficial no Japão.
A secretária americana expressou a Hamada sua esperança de que o Japão considere a possibilidade de que os navios de guerra que vão se mobilizar protejam navios estrangeiros em situações de emergência, mas reconheceu as dificuldades legais disso, informou a agência local Kyodo.
O ministro da Defesa japonês disse que estão considerando uma nova lei que possa autorizar as Forças Navais de Autodefesa japonesas a agir em casos nos quais os interesses japoneses não sejam diretamente ameaçados.
O Japão deve posicionar dois destróieres em águas do golfo de Áden, para defender navios de bandeira japonesa e com pessoal ou bens japoneses em perigo.
Hillary incentivou o Japão a adotar um papel mais ativo em operações de manutenção da paz das Nações Unidas, apesar da Constituição pacifista do Japão colocar obstáculos ao desdobramento de Forças Armadas, exceto por motivos de autodefesa.
Na opinião da chefe da diplomacia americana, o Japão adotou um papel muito importante em relação à pirataria no Chifre da África e terá um papel crítico em alguns pontos de alto risco, disseram fontes japonesas à Kyodo.

Terroristas atacam base militar da União Africana na Somália e matam dez
da Efe, em Mogadício

Ao menos dez pessoas morreram neste domingo em ataques suicidas com bombas cometidos contra uma base da Missão da União Africana (UA) na Somália (Amisom) em Mogadício.
Um militar ugandense da missão, que pediu para não ser identificado, disse à agência Efe que um dos dois suicidas, que carregava um cinto com explosivos, "fingiu ser um vendedor ambulante de bananas, atraindo vários soldados e, quando estavam perto dele, fez explodir a bomba".
Segundo a fonte, cinco soldados, dos quais não especificou se eram de Burundi ou Uganda, morreram e outros militares ficaram feridos, enquanto três civis que estavam nas proximidades também morreram, informação que não foi confirmada pelo porta-voz da UA em Mogadício.
Os outros dois mortos são os terroristas que detonaram os explosivos que carregavam quando entraram no prédio da antiga Universidade Nacional de Mogadício, utilizada atualmente como base do contingente militar burundinês da Amisom, disse por telefone à agência Efe o porta-voz do Shabab Sheikh Mukhtar Rowbow Ali.
"Dois de nossos mártires detonaram seus explosivos contra os cristãos do Burundi enquanto assistiam à missa", disse Rowbow Ali, que explicou que um dos suicidas levava uma bomba amarrada à cintura e o outro transportava explosivos num automóvel, jogado contra as tropas burundinesas.
Sequestro
O porta-voz do Shabab identificou os dois insurgentes como Ahmed Sheikhdon Sidow e Mursal Abdinoor Mohammed. Ainda segundo ele, "vários soldados morreram nas explosões".
No entanto, o porta-voz da missão de paz africana, capitão Berigye Ba-Hoku, desmentiu o Shabab, e disse que as explosões foram de morteiro, mas não confirmou se houve baixas entre os soldados da Amisom.
Já testemunhas asseguraram que houve um ataque com carro-bomba, mas que o veículo explodiu "perto da base" da Amisom, e não dentro da mesma.
Enquanto isso, em Puntlândia, região autônoma do norte da Somália, um grupo armado sequestrou hoje um empregado estrangeiro de uma companhia mineira e seu tradutor somali, que iam de Bossaso, a capital regional, à localidade de Taleh.
Um comunicado do Ministério de Segurança de Puntlândia informou que o estrangeiro é de origem paquistanesa e com cidadania britânica, e que foi sequestrado junto com seu tradutor local depois que um grupo de 15 homens fortemente armados atacou o veículo no qual viajavam.

Fonte: Folha de SP.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sequestro Int'l de Menores: Caso Sean

Esta postagem está mais é para o blog da Nádia sobre Haia em Debate, já que não sou muito fã de disputas envolvendo direito de família. Mas o assunto está cada vez mais em voga.

O NYT de 24 de fevereiro reportou no artigo "Court Battle Over a Child Strains Ties in 2 Nations" o caso do menor Sean, que envolve Brasil e EUA no tocante à aplicação da Convenção de Haia sobre sequestro int'l de menores.

Em resumo, uma brasileira era casada com um americano e veio para o Brasil com a criança. Pediu divórcio e disse que ia ficar no Brasil com o filho. A justiça americana decidiu que a vinda da criança para o Brasil era ilegal e mandou a mãe devolver o filho. A decisão foi ignorada e o pai entrou com uma ação na justiça brasileira.

A justiça federal decidiu que, de fato, a vinda da criança para o Brasil era ilegal, mas que o garoto já estava adaptado ao novo ambiente e que seria no melhor interesse do menor ele ficar aqui. O art. 12 da Convenção prevê essa possibilidade.

Para piorar, depois de se divorciar do americano, a brasileira se casou com um brasileiro (João Paulo Lins e Silva -- alguém conhece esse sobrenome?) e faleceu. O padrasto entrou com ação na justiça estadual para ter a paternidade sócio-afetiva reconhecida e manter a criança sob sua custódia. A União entrou com ação de busca e aprensão contra o padrasto, pautada na Convenção de Haia e pediu na Justiça Estadual para que a causa fosse deslocada para a Justiça Federal

O caso gerou dois conflitos de competência, recentemente decididos pelo STJ: CC 100.345 e CC 101.885. O STJ determinou que o caso deve ser decidido pela Justiça Federal, no que foi percebido como uma vitória para o pai americano. (Tentei linkar o inteiro teor da decisão do STJ mas só está disponível a decisão no AgRg. Tenho a cópia do inteiro teor comigo e envio por email se alguém quiser.)

Em paralelo à batalha jurídica, o pai americano está fazendo o que os americanos fazem melhor do que ninguém no planeta: lobby. Ele tem um website chamado "Bring Sean Home" e compila as aparições na mídia e documentos a respeito do caso. Pasmem, o sujeito está pressionando nas duas casas do Congresso americano para que sejam passadas resoluções pedindo o retorno do garoto. Claro, o assunto já está sendo objeto de conversas diplomáticas entre Brasil e EUA (vejam o NYT).

O assunto de divórcios int'is e batalhas int'is por guarda de menores está ficando em voga ultimamente. A Economist de 05 de fevereiro publicou um artigo sobre o assunto, apontando que com a maior circulação de pessoas, casamentos internacionais se tornaram mais comuns. E, como vários desses casamentos envolvem casais muito ricos, é comum haver elos com diversos países (ativos, residência, domicílio, emprego), o dá margem a complexas questões sobre lei aplicável e movimentos estratégicos envolvendo a jurisdição internacional. Claro, essas disputas costumam custar centenas de milhares de dólares e deixam os advogados internacionalistas muito felizes. Numa parte muito interessante, o artigo comenta vantagens e desvantagens variadas de algumas possíveis leis aplicáveis (guarda da criança, divisão de bens, validade de pactos pré-nupciais, relevância de culpa para fim do casamento, etc.).

Enfim, o tópico está cada vez mais relevante e achei interessante compartilhar esse material. Alguém tem alguma consideração sobre o assunto? Conhece mais algum caso interessante sobre a Convenção de Haia?

Atualização! O Arthur me enviou link em 28 de fev. para reportagem do O Globo que afirma que o americano estaria nessa disputa motivado por dinheiro. Dêem uma olhada!

Atualização 2! O Jorge me enviou link em 05 de março para reportagem no G1 informando que o assunto está sendo discutido entre o Departamento de Estado americano e o Ministério de Relações Exteriores do Brasil.

Atualização 3! Deu no Fantástico! Vejam no link.

Abraços a todos!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Venezuela: ainda uma democracia?

Segue interessante texto de um professor daqui de Chicago. Pergunto a vocês: Venezuela ainda é uma democracia? Há uma ditadura plebiscitária na Venezuela? "Rule of law" permite (ou deveria permitir) uma ditadura plebiscitária? Chavez é um líder legítimo?

Hugo Chavez and the Rule of Law

Hugo Chavez goes to the polls in his second bid to amend the Venezuelan Constitution to eliminate presidential term limits. Should he lose, he has vowed to leave office when his current term ends in 2012; should he win, he hopes to rule for life. Chavez’s success seems likely because he has learned to manipulate the rule of law in his favor.

Chavez’ power grab, pursued through perfectly legal channels, exposes the Achilles’ heel of the rule of law: so long as you abide by its principles, you can do just about anything, including changing the rules to extend your control. The rule of law, as conventionally defined, requires that laws be clear, open, and equally applied to individuals and government alike. In recent years, it has become the subject of overlapping international consensus, such that dictatorships and democracies from Beijing to Burundi proclaim its virtues. The World Bank and other international donors have poured billions of dollars into improving the rule of law around the world. Everyone likes the principle because it promises procedural order and straightforward implementation of the rules, whatever they might be.

Chavez has been crafty in manipulating this set of understandings. In December 2007, voters narrowly rejected Chavez’ proposed constitutional amendments, which included both the abolition of term limits and the expansion of emergency presidential powers. Some human rights groups and the United Nations condemned that proposal, mainly for the low bar to invoking a state of emergency. This time Chavez has been careful to restrict the amendment to the abolition of term limits, and the international community has been quiet. Polls suggest that he will be successful, setting up the probability that Chavez will serve until 2018 and beyond.

There is, of course, nothing inherently undemocratic about constitutional amendments extending the term of leaders: indeed, one can argue that by artificially preventing voters from choosing a candidate they might prefer, term limits are themselves undemocratic. Yet there is something unseemly about a ruler in a democracy serving for life. Democracy is ultimately about processes, not personalities, and so we naturally are suspicious of a ruler who seeks to stay on forever.

From the perspective of the rule of law, the key question is whether rules on presidential terms are properly enacted. In the old days, a Latin American leader bent on extending his rule would simply have replaced the constitution after his bid to amend it failed. Indeed, Venezuelan history is littered with 24 discarded constitutions, second only to the Dominican Republic (29) in its rate of turnover.

Unlike many of his predecessors, however, Chavez was patient enough to wait for another day, paring down his proposal while quietly expanding his control over the media and courts. Chavez is a gadfly and a lightning rod, delivering and receiving epithets with great abandon. Perhaps over time he will ultimately run his country into the ground. But he is smart enough to have figured out that if he follows the rules, he can get away with a lot. Chavez represents a new disturbing kind of ruler for a new age – at a time when most are praising the rule of law, Chavez understands that he can use it to move toward unfettered power.

by Thomas Ginsburg

Site original: http://uchicagolaw.typepad.com/faculty/2009/02/hugo-chavez-and-the-rule-of-law.html

Tom Ginsburg focuses on comparative and international law from an interdisciplinary perspective. He holds B.A., J.D., and Ph.D. degrees from the University of California at Berkeley. One of his books, Judicial Review in New Democracies (Cambridge University Press 2003) won the C. Herman Pritchett Award from the American Political Science Association for best book on law and courts. He has served as a visiting professor at the University of Tokyo, Kyushu University, Seoul National University, the Interdisciplinary Center Herzliya, the University of Pennsylvania, and the University of Trento. He currently co-directs the Comparative Constitutions Project, an effort funded by the National Science Foundation to gather and analyze the constitutions of all independent nation-states since 1789. Before entering law teaching, he served as a legal adviser at the Iran-U.S. Claims Tribunal, The Hague, Netherlands, and consulted with numerous international development agencies and foreign governments on legal and constitutional reform.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Buy American: protecionismo indevido ou estímulo econômico?

Talvez vocês estejam cientes que no American Recovery and Reinvestment Act of 2009 (pacote de estímulo econômico na casa de US$787 bilhões) foi incluída uma cláusula chamada "Buy American". Em resumo, a cláusula exige que os projetos de infra-estrutura previstos nessa lei (em certa medida parecida com o PAC) usem aço, ferro e bens manufaturados nos EUA, exceto nos seguintes casos: (1) interesse público; (2) indisponibilidade no mercado americano; (3) aumento dos custos do projeto superior a 25%.

Com a pressão européia e canadense, foi adicionada na última hora um artigo dizendo que essa cláusula será aplicada de acordo com as obrigações internacionais norte-americanas.

Em que medida esse dispositivo pode se qualificar como uma prática proibida pela OMC? Não sei muita coisa de comércio internacional e queria ouvir a opinião de vocês. O Valor Econômico de 20/02/2009 aponta que Restrição a produto de fora existe desde 1933 e que os argumentos brasileiros são frágeis (transcrita abaixo).

A cláusula e um comentário americano sobre a exceção de direito internacional estão transcritos abaixo.


BUY AMERICAN

SEC. 1605. Use of American Iron, Steel and Manufactured Goods

(a) None of the funds appropriated or otherwise made available by this Act may be used for a project for the construction, alteration, maintenance, or repair of a public building or public, unless all of the iron, steel, and manufactured goods used in the project are produced in the United States.

(b) Subsection (a) shall not apply in any case or category of cases in which the head of the federal department or agency involved finds that --

(1) applying subsection (a) would be inconsistent with the public interest;

(2) iron, steel, and the relevant manufactured goods are not produced in the United States in sufficient and reasonably available quantities and of a satisfactory quality; or

(3) inclusion of iron, steel, and manufactured goods produced in the United States will increase the cost of the overall project by more than 25 percent.

(c) If the head of a Federal department or agency determines that it is necessary to waive the application of subsection based on a finding under subsection (b), the head of the department or agency shall publish in the Federal Register a detailed written justification as to why the provision is being waived.

(d) this section shall be applied in a manner consistent with United States obligations under international agreements.

The Conference Report on H.R. 1 clarifies the intended use of this provision as follows:
Section 1605 provides for the use of American iron, steel and manufactured goods, except in certain instances. Section 1605(d) is not intended to repeal by implication the President's authority under Title III of the Trade Agreements Act of 1979. The conferees anticipate that the Administration will rely on the authority under 19 U.S.C. 2511(b) [of the Trade Agreements Act of 1979] to the extent necessary to comply with U.S. obligations under the WTO Agreement on Government Procurement and under U.S. free trade agreements and so that section 1605 will not apply to least developed countries to the same extent that it does not apply to the parties to those international agreements. The conferees also note that waiver authority under section 2511(b)(2) has not been used.

Argumentos brasileiros são frágeis, dizem especialistas
Raquel Landim. Valor Econômico. 20/02/2009

Os argumentos jurídicos para o Brasil questionar a cláusula "Buy American" do pacote de estímulo econômico do presidente Barack Obama são frágeis, afirmam especialistas em comércio exterior. Eles dizem que soluções "criativas" poderiam até sustentar uma investigação, mas os resultados são imprevisíveis.

Neste caso, a principal dificuldade do Brasil é que o país não é signatário do código de compras governamentais, estabelecido na Rodada Tóquio. O acordo, que era opcional e do qual participaram apenas 10 países e a União Europeia, impede a discriminação em licitações. Preocupados em manter o poder do Estado para estimular o crescimento, grandes emergentes como Brasil, China e Índia não participam.

Ao redigir o "Buy American", os Estados Unidos tomaram o cuidado de garantir que a lei será aplicada de maneira consistente com as obrigações internacionais, o que significa que não excluir os países signatários do código e também os parceiros em acordos de livre comércio, como México e América Central.
[...]
Segundo Soraya Rosar, coordenadora do departamento de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria (CNI), uma saída seria utilizar o artigo do acordo geral do antigo Gat (predecessor da OMC) que proíbe os países de adotar tratamento discriminatório no comércio internacional. Ela, no entanto, tem dúvidas se um artigo genérico prevaleceria sobre o código de compras governamentais, que é mais específico.

Mário Marconini, diretor de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), enxerga uma outra possibilidade. Ele explicou que o acordo TRIMS, assinado na Rodada Uruguai que regula o comércio de serviços, impede que os países exijam conteúdo nacional para conceder benefícios.

Por esse raciocínio, o Buy American vetaria a contratação de uma empreiteira brasileira para as obras, mas não poderia haver regras para a procedência dos insumos adquiridos pela empresa, como aço ou máquinas. O diretor da Fiesp, no entanto, não está seguro, de que seria possível fazer esse tipo de interpretação para "conteúdo nacional".

Marconini disse que é preciso "ser criativo" e lembra que, nos diversos processos antidumping contra o aço brasileiro, os Estados Unidos chegaram a contestar subsídios concedidos pelo governo na época da privatização de empresas como Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). " Veja só a distância que eles vão nesses processos", disse. Na sua opinião, é preciso analisar um pouco melhor o caso antes de levar para a OMC, mas o Brasil está certo em alertar genericamente contra o protecionismo.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

RO 64: Cite-se a Alemanha pelos eventos da 2a Guerra

A decisão abaixo foi publicada num dos informativos de jurisprudência do STJ e levanta algumas questões muito importantes sobre jurisdição internacional, imunidade de jurisdição e, quiçá, jurisdição universal.

Um judeu francês naturalizado brasileiro processou o Estado alemão para obter indenização decorrente da ocupação nazista na França durante a 2a Guerra Mundial. A sentença de 1o grau extinguiu sem julgamento do mérito por falta de jurisdição internacional* brasileira, já que o caso não se encaixa nas três hipóteses do CPC 88 ou no CPC 89.

Sobre jurisdição internacional, a Min. Nancy afirma que as hipóteses dos arts. 88 e 89 não são exaustivas, invocando Botelho de Mesquita. Mas notem que quando o autor afirma que a enumeração não é exaustiva, ele está dizendo que o código não se preocupou em enumerar todas as hipóteses possíveis. No parágrafo seguinte, ele afirma: "deve-se entender...que não interessou ao Brasil o exercício de sua jurisdição sobre causas que não guardem, com o ordenamento jurídico nacional, nenhum dos pontos de contacto previstos nos arts. 88 e 89 do CPC. A jurisdição é uma atividade onerosa para o Estado, e portanto, para os contribuintes, e não deve ser exercida desnecessariamente. Por isto, em regra, deve-se entender que as causas não incluídas na previsão dos arts. 88 e 89 do CPC se acham excluídas da jurisdição brasileira." Será que houve algum mal entendido na leitura do autor? Não teria sido mais seguro citar autores como Pontes de Miranda, Carmen Tibúrcio ou Gaetano Morelli, que apontam que a jurisdição pré-existe e seria em tese ilimitada? Como vocês acham que deveria ser feita a interpretação dos arts. 88 e 89?

Mais adiante, o autor se refere aos princípios da efetividade e da submissão. O primeiro é descrito como um mecanismo para o Estado brasileiro não exercer jurisdição sobre causas incluídas nos arts. 88 e 89, mas sobre as quais não haveria interesse jurídico. Já o princípio da submissão funciona ao contrário: se o réu se submeter à jurisdição brasileira em hipótese não descrita nos arts. 88 e 89, então ela deve ser exercida.

A decisão aplica o raciocínio sobre o interesse jurídico invocando normas constitucionais, com destaque para o art. 4 da CF (direitos humanos, auto-determinação dos povos, repúdio ao racismo). Em decorrência dos valores esposados pela CF, o Brasil teria interesse na causa. Ou seja, o princípio da efetividade não incide para excluir desde logo a jurisdição int'l brasileira. O interessante é que a corte usou um princípio que eventualmente exclui a jurisdição para afirmar o interesse na causa e a possibilidade de firmar a jurisdição. Vocês estão de acordo com isso? Acham que foi uma boa forma de firmar a jurisdição brasileira?

O passo seguinte é analisar a submissão. Aqui, a corte analisa se haveria imunidade de jurisdição da Alemanha. Dando continuidade à construção jurisprudencial iniciada após a CF de 1988, aplica a tese da imunidade relativa, com base na diferença entre atos de império e atos de gestão. Rejeitando precedente de que a citação deve ser ordenada de acordo com qualificação do ato como de gestão ou império, a corte invoca o RO 57 (caso da família do Jango vs. EUA) para dizer que a qualificação só deve ser feita após a citação do Estado estrangeiro. Ou seja: cita-se o Estado e espera para ver se ele se submete à jurisdição brasileira. Deixando de lado as dificuldades de diferenciação entre ato de gestão e de império, o que vocês acham dessa prática de mandar citar? Se for claramente ato de império, deve mesmo mandar citar? E se for claramente ato de gestão, o que fazer se o Estado estrangeiro não se submeter?

Mas o ponto talvez mais interessante do caso não foi decidido pelo STJ e, talvez, tenhamos que esperar mais alguns anos para ver ser decidido. Vamos assumir que se trata de um ato de império e que a Alemanha não se submeteu à jurisdição brasileira. Pode / deve o Judiciário brasileiro passar por cima da imunidade de jurisdição uma vez que os atos podem ser qualificados como crimes contra a Humanidade?

Outra questão: em que medida essa decisão não corresponde na verdade a uma arrogação de jurisdição universal pelo Judiciário brasileiro?

Várias questões interessantes para debate nessa decisão! Estou ansioso para ouvir suas opiniões.

Clique aqui para acessar o inteiro teor.

*observação: o CPC usa o termo competência internacional para se referir na verdade à jurisdição brasileira. Eu optei pelo termo pleonástico jurisdição internacional para enfatizar que estamos falando de casos internacionais mas que ao mesmo tempo não se trata propriamente de competência.

DANOS MORAL E MATERIAL. ALEMANHA.

O autor, brasileiro naturalizado e residente no Brasil, busca indenização por danos morais e materiais decorrentes de diversas atrocidades de que foi vítima à época da ocupação da França pela Alemanha Nazista. Tais atos tiveram como fundamento, meramente, o fato de ser o autor judeu de nascença e se incluíam num projeto maior de eugenia, com o extermínio do povo judeu na Alemanha Nazista e nos países por ela ocupados. Para a Min. Relatora, dois princípios devem atuar na definição da jurisdição brasileira para conhecer de determinada causa. Além dos arts. 88 e 89 do CPC, que não são exaustivos, deve-se ter atenção, sempre, para os princípios da efetividade e da submissão. Compreendida a atuação deles, resta aplicá-los à hipótese dos autos. No precedente RO 13-PE, DJ 17/9/2007, a competência da autoridade brasileira foi fixada com base no art. 88, I, do CPC e a Min. Relatora firmou que a mesma idéia pode ser estendida à hipótese dos autos – a representação oficial do país, na plenitude, mediante sua embaixada e consulados no Brasil –, ainda destacando que os incisos da referenciada norma legal constituem pressupostos independentes e não conjuntos. Pelo princípio da efetividade, o Estado tem interesse no julgamento da causa. Diante disso, entendeu a Min. Relatora ser imperativo que se determine a citação, no processo sub judice, da República Federal da Alemanha para que, querendo, oponha resistência à sua submissão à autoridade judiciária brasileira. Somente após essa oposição, se ela for apresentada, é que se poderá decidir a questão. Tal medida não encontra óbice nem nos comandos dos arts. 88 e 89 do CPC, que tratam da competência (jurisdição) internacional brasileira, nem no princípio da imunidade de jurisdição que, segundo a mais moderna interpretação, prevalece apenas para as ações nas quais se discute a prática dos atos de império pelo Estado estrangeiro, não sendo passível de ser invocado para as ações nas quais se discutem atos de gestão. Diante disso, a Turma deu provimento ao recurso para determinar a citação da ré. RO 64-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/5/2008.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Direitos Humanos: pragmatismo ou idealismo?

Prezados,

Acho a idéia de direitos humanos muito interessante e acredito que esse discurso pode ajudar no progresso de uma melhor sociedade para todos, ocidentais ou não. Mas um ponto que sempre me deixa pouco confortável é sobre a constante falta de pragmatismo dos defensores dos direitos humanos. Creio que proposições idealizadas que não consideram as distribuições de poder e as limitações impostas pelos fatos sejam auto-destruidoras -- se quiserem, "o ótimo é inimigo do bom" ou ainda "os fatos prevalecem sobre o direito".

Muito interessante, na minha opinião, é que a maior parte dos defensores de uma versão idealizada de direitos humanos muitas vezes não se dá conta disso -- admitem que "direitos têm custos" e crêem que isso é suficiente. Mas não me interessa aqui os aspectos internos dos eventuais custos dos direitos humanos, que é mais discutido no âmbito de Direito do Estado. Gostaria de lançar uma proposta de debate sobre limitações internacionais à noção idealizada de Direitos Humanos (um tópico, que creio, deveria ser objeto da matéria "Teoria dos Direitos Fundamentais" no mestrado da UERJ).

Para começar a reflexão sobre o assunto, segue abaixo uma resposta às críticas da Anistia Internacional ao tribunal que vai julgar se houve violações do Dir. Int'l (genocídio) pelo Khmer Rouge, no Cambodia. O tema é atual porque ontem começou o julgamento de um dos líderes (clique aqui para o link na CNN). O tribunal para o Khmer é claramente um compromisso entre noções ideais e limitações concretas. Maiores detalhes sobre sua cronologia e sobre a legislação a ele aplicável podem ser encontrados neste site de Yale (tem os documentos internacionais, a lei nacional que implementou o tribunal, etc.).

Aguardo suas considerações! Abraços a todos.


Perfection Is The Enemy of Justice
By Dr. Gregory H. Stanton


At least 1.7 million Cambodians died during Khmer Rouge rule in Cambodia from 1975 through 1978. On 13 May 2003, the United Nations General Assembly approved an Agreement between the U.N. and the Royal Government of Cambodia to establish a tribunal to try the surviving leaders of the Khmer Rouge. The Assembly appealed to the international community to provide assistance, including financial and personnel support, to the tribunal.

The Khmer Rouge were driven out of power in 1979, but for years after that the U.S. and other nations voted to seat them in the United Nations, and opposed all efforts to bring them to justice. In 1991, a Cambodian peace agreement was signed and in […] 1997 the Cambodian government requested help from the U.N. to set up a tribunal. The UN appointed a Group of Experts to study the legal case, and in 1999 these jurists recommended establishing a tribunal.

Years of negotiations followed. The U.N. tried to impose a U.N run tribunal. Cambodia insisted that the tribunal be majority Cambodian, under Cambodian law. Agreement was reached in 2001 on a mixed tribunal with a Cambodian majority, but requiring super-majority agreement by international judges for all decisions. Administration will be shared by Cambodian and U.N. officials, prosecutors, and investigating judges. The maximum penalty will be life in prison. The Cambodian National Assembly passed a law to establish the tribunal on these terms.

The devil […] rose again in the details. In February 2002, U.N. negotiators broke off implementing talks, and were only forced back into them by a U.N. General Assembly Resolution passed in December. Amnesty International and Human Rights Watch opposed the Resolution, because it directed the U.N. to base its agreement with Cambodia on the Cambodian law, which they found deficient.

Following negotiations ,an Agreement [was reached] on 17 March 2003. The Cambodian government met four key demands of the U.N. It agreed to amend the Cambodian law to simplify the tribunal’s appeals process, to incorporate the rights of the accused enshrined in Articles 14 and 15 of the International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR), and to affirm that the Vienna Convention on the Law of Treaties prohibits invocation of national law to escape international treaty obligations. With respect to amnesty, the plan states that "the Royal Government of Cambodia would undertake not to request one for any persons who might be investigated or convicted of crimes under the Agreement."

Amnesty International (AI) and Human Rights Watch […] have insisted on another international tribunal, not a court that Cambodians will accept as their own. One of the shortcomings of the Yugoslav and Rwandan tribunals has been their lack of relationship with national legal systems. Throughout its critique, AI ignores the fact that the U.N. – Cambodian Agreement is supplementary to the 2001 Cambodian law. AI fails to even append the text of the Cambodian law to its Report, which includes the Agreement and the Secretary-General’s Report to the U.N. General Assembly.
[...]
AI says that “the proposed mixture of Cambodian and international judges and complicated decision making process has no precedent in any domestic or international court,” ignoring the Sierra Leone tribunal and courts in East Timor and Kosovo, which are also mixed courts.
[...]
AI criticizes the Agreement because it does not include provisions for reparations, calling this a “major retreat from the Rome Statute,” even though such provisions are not part of most common law systems of justice. The Cambodia tribunal will try only a few top leaders of the Khmer Rouge. Ten old men will not have the means to give restitution or compensation to 1.7 million victims. UN Trust Funds connected to tribunals have been notably unsuccessful at raising funds for such purposes. AI wants “rehabilitation, satisfaction, and guarantees of non-repetition” as well. Surely the only satisfaction and guarantees of non-repetition of mass murder that the tribunal can offer are trial and punishment of the perpetrators.

Finally, AI expects the tribunal to help rebuild the entire Cambodian system of justice. By setting an example of fair trials in a well-managed court, it will do so. It is also a reason for making the tribunal a special part of the Cambodian court system and locating it in Phnom Penh. But to reject the Agreement because the court cannot do everything is equivalent to saying that because all law-breakers cannot be captured and tried, none should be.

This all-or-none approach to justice for Cambodia has been characteristic of some human rights groups from the beginning. In 1981, when I asked the International Commission of Jurists to undertake investigations of the atrocities of the Khmer Rouge, the Chairman of the Board refused with the reason that if they could not investigate violations by the Vietnamese-backed government that drove the Khmer Rouge from power, they would not investigate the Khmer Rouge mass murders. All-or-none standards are self-defeating. Perfection is the enemy of justice.
[...]

Dr. Gregory H. Stanton is Founder and Director of The Cambodian Genocide Project; President of Genocide Watch; and Coordinator of The International Campaign to End Genocide.

Bangkok Post, 2003

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Sociedades estrangeiras precisam de autorização presidencial para participar em Limitadas?

Pessoal, eu havia postado essa reportagem no ano passado, mas ninguém deu bola e nem eu mesmo escrevi a respeito. Vou chamar de novo a atenção de vcs para a questão. Ela é muito importante.

A controvérsia gira em torno do art. 1134 do Código Civil: "A sociedade estrangeira, qualquer que seja seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira."
Os pontos centrais: (1) o que são estabelecimentos subordinados; e (2) a parte final, que as autoriza "todavia" a ser acionista de sociedade anônima brasileira.

Uma primeira possibilidade é interpretar estabelecimentos subordinados tanto como filiais etc. sem personalidade jurídica própria quanto subsidiárias com personalidade jurídica própria. Esta interpretação possui embasamento pela parte final, que excepciona sociedades anônimas (o que daria a entender que S/As brasileiras seriam "estabelecimentos subordinados") e, a contrario sensu, proibiria a atuação indireta por meio de quaisquer outras formas societárias (limitadas, comandita por ações, simples, etc.).

A segunda possibilidade é interpretar o art. 1134 em linha com o art. 11, par. 1, da LICC que diz: "Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira." Assim, só seriam "estabelecimentos subordinados" as filiais etc. sem personalidade jurídica própria. Interessante notar que essa interpretação também se ajusta à redação do art. 1136, par. 2, inc. II, que exige inscrição de sociedades estrangeiras em livro especial, no qual constarão "lugar da sucursal, filial ou agência no País.

A parte final do artigo, entretanto, seria deixada meio que sem função. Ao mesmo tempo, essa interpretação seria consistente com a alteração implementada pela EC 6/95, que revogou o art. 171 da CF (que permitia tratamento diferenciado a empresas controladas por brasileiros).

Por outro lado, acho que a interpretação usual da EC no sentido de que não pode haver distinção entre companhias controladas por capital brasileiro ou estrangeiro não implica necessariamente na inconstitucionalidade da primeira interpretação do art. 1134. O art. 1134 se refere à sociedade estrangeira que deseja participar em sociedades brasileiras (que precisaria se registrar), não à sociedade brasileira controlada por estrangeiros.

Pessoalmente, penso que a segunda interpretação é mais apropriada, pela interpretação sistemática descrita acima. A interpretação da advogada mencionada abaixo (inconstitucionalidade) não me convence.

Esse assunto é muito importante, como demonstram os potenciais impactos de se entender que as sociedades brasileiras controladas por sociedades estrangeiras sem autorização do Executivo para tanto seriam sociedades irregulares.

O que vocês acham? Qual a interpretação que julgam apropriada? Por quais argumentos? Vocês enxergam algum argumento adicional para qualquer uma das duas interpretações?


Juízes entendem que estrangeiras sócias de limitadas são irregulares
Zínia Baeta. VALOR ECONÔMICO. 20/10/2008

No início deste ano a Justiça paulista negou a uma empresa o requerimento de falência de um credor por ela ser sócia estrangeira de uma sociedade limitada no país. A 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo entendeu que, por ser cotista de uma limitada e funcionar sem a autorização do Poder Executivo, a empresa seria irregular e, portanto, não teria o direito de pedir a falência de um credor. Em uma outra situação, a Justiça do trabalho da capital paulista autorizou que os sócios de uma sociedade limitada respondessem com seus bens pelos débitos trabalhistas da empresa. A sociedade também foi considerada irregular por possuir sócios estrangeiros e atuar sem a autorização do Executivo. As decisões citadas, ainda que de primeira instância e raras na jurisprudência, ilustram os debates que começam a surgir no Poder Judiciário sobre o funcionamento das sociedades estrangeiras no Brasil.

A discussão sobre a questão surgiu com o novo Código Civil em 2002 e está hoje dividida em duas correntes doutrinárias: uma entende ser necessária a autorização do Poder Executivo para a participação de estrangeiros em limitadas - apesar dos entraves práticos - e que sociedades estrangeiras só poderiam participar de sociedades anônimas no país. A outra corrente defende não existir qualquer empecilho legal para a participação das estrangeiras em empresas limitadas. A questão é no mínimo polêmica, já que o número de empresas atingidas pela discussão é imenso.

O advogado Armando Rovai, professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), defende a necessidade de autorização do Poder Executivo para o funcionamento de sociedades nessas circunstâncias. Segundo ele, a lei veda a participação do estrangeiro nas limitadas sem esse consentimento. Para o professor, o artigo 1.134 do novo Código Civil é claro ao estabelecer essa necessidade. O dispositivo diz que "a sociedade estrangeira, qualquer que seja o objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no país, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo todavia ser acionista de sociedade anônima brasileira".

O juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Alexandre Alvez Lazzarini, levou em consideração esse artigo do Código Civil para negar o requerimento de falência realizado por uma sociedade estrangeira em relação a um credor no Brasil. O magistrado entendeu tratar-se de uma empresa irregular - e, sendo assim, não poderia postular a falência de outra empresa. Lazzarini entende que uma empresa limitada, para ter em seus quadros um sócio estrangeiro, precisa obter a autorização do Executivo para funcionar. Em caso contrário, como afirma, estará sujeita às conseqüências de sua irregularidade. O que, na prática, significa não estar apta a pedir a falência de credores, participar do quadro de credores de uma recuperação judicial ou mesmo pedir a própria recuperação judicial. No entanto, segundo o magistrado, essa mesma empresa poderá figurar como ré em um processo de falência. Para ele, essas circunstâncias poderão ter efeitos também no direito de família, principalmente em relação aos planejamentos sucessórios que costumam utilizar off shores nessas operações.

A juíza do trabalho, Thereza Cristina Nahas, titular da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, defende esse mesmo ponto de vista e o tem aplicado em algumas de suas decisões. Segundo ela, o artigo 1.134 do novo Código Civil é mais um fundamento para aplicar-se a responsabilidade direta do sócio e do administrador pelos débitos trabalhistas da empresa. Nessa situação, eles respondem com seus bens pela dívida.

"Essas decisões judiciais são preocupantes, pois quase toda estrangeira que chega ao país investe em limitadas por ser o procedimento mais simples e baratos", afirma a advogada Tânia Liberman, do escritório Koury, Lopes Advogados (KLA). A advogada entende que o artigo do novo Código Civil não veda essa participação. Para ela, a necessidade de autorização ocorreria apenas para a abertura de uma filial de uma empresa estrangeira no Brasil. Tânia também argumenta que a Constituição Federal proíbe a distinção entre empresas nacionais e estrangeiras. "Uma diferenciação entre empresas brasileiras e com capital estrangeiro seria inconstitucional", afirma a advogada Maria Lúcia de Almeida Prado e Silva, sócia do escritório Demarest e Almeida. A advogada lembra que o próprio Código Civil prevê que no contrato social das empresas deve constar a nacionalidade de seus sócios e o local de sua sede. Os advogados também lembram que o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), em 2003, atendendo a uma consulta da Junta Comercial do Estado do Maranhão, entendeu não existir qualquer óbice na participação de um sócio estrangeiro em uma empresa limitada.

Para o professor de direito comercial da graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito do Mackenzie, Fabiano Del Masso, a exigência de aprovação, pelo Executivo, da participação de um sócio estrangeiro em uma limitada seria um procedimento que traria uma série de entraves às empresas. "Não é uma prática do Executivo e não há regras claras sobre isso", afirma. No entanto, o professor entende que as empresas constituídas nessa situação seriam irregulares. Para ele, a saída para essas empresas é buscar a autorização ou fazer a transformação da limitada em sociedade anônima - cujos custos e exigências são muito maiores. A advogada Tânia Liberman afirma que a abertura de uma filial de estrangeira no Brasil, por exemplo - que exige autorização do Executivo - é um procedimento que demora alguns anos. Se for aplicado às limitadas, o mesmo poderá ocorrer.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Hedge Cambial: Precedente Internacional?

Caros, como vcs podem ler abaixo, a atual maxi-desvalorização do real vai dar origem a outra onda de litígios sobre contratos vinculados a moeda estrangeira. Mas, agora, ao invés de leasing the automóveis, tudo indica que serão as perdas milionárias nos contratos de hedge cambial.

Claro que esta questão não é tão relevante para o direito internacional -- está é mais no campo dos contratos. Argumentos sobre imprevisibilidade, pacta sund servanda, aleatoriedade dos contratos, etc. são todos apropriados. Pessoalmente, acho que os contratos de hedge envolvem um risco que não era desconhecido das partes contratantes, que o valor da comissão cobrada pelo banco levou em consideração os limites de risco do banco e a exposição ilimitada da companhia e que não podemos dizer que uma desvalorização do real fosse realmente imprevisível ao consideramos nossa história monetária. Isso para não falar dos incentivos negativos ex ante que uma decisão de revisar ex post os contratos pode ter.

Mas o que interessa aqui é o seguinte: o autor abaixo invoca uma decisão coreana para dizer, implicitamente, que outros países revisam os contratos de hedge e que o Brasil deveria importar isso. Isso é exercício de Direito Comparado?

A Profa. Marilda (no artigo "Importância do Direito Comparado", naquele livro em homenagem ao Prof. Jacob) explica os dois métodos de Dir. Comparado, macrocomparação e microcomparação. Acho que os nomes já explicam muito, e que o autor tenta fazer um uso de microcomparação. Mas esse uso é inapropriado. Não há nenhuma informação sobre o sistema jurídico coreano -- que difere em muito da tradição brasileira -- e não se sabe as circunstâncias específicas do caso. É uso puramente retórico de métodos do direito internacional para se tentar influenciar a opinião pública(da) e obter vantagens estratégicas em litígios.

Precisamos ficar atentos a esses usos. Pessoalmente, acho até que eles podem resultar em antipatia ao método do Direito Comparado. Claro que estamos falando de um artigo de jornal, necessariamente curto. Mas o uso retórico do direito comparado está claro.

O que vocês acham? Estou sendo muito paranóico ou vocês compartilham meu temor?

Hedge Cambial e o Precedente Internacional
João Luiz Coelho da Rocha. Valor Econômico. 09/02/2009
Como muitos sabem, recentemente, nesse turbilhão que afetou mercados financeiros, uma das consequências no Brasil foram as enormes perdas de companhias, sobretudo exportadoras, com o insucesso das suas operações de hedge cambial, à vista da súbita e acentuada alta do dólar. Com isso, perdas gigantescas foram reveladas nos resultados de grandes e sérias corporações, aquelas que justamente têm apresentado sólidos ganhos nos últimos anos em suas receitas operacionais.

Pois foi justamente o caráter súbito, imprevisível no curso normal e tão avolumado dessa disparada cambial que já levou a se ponderar sobre a efetiva exigibilidade dessas contrapartidas contratuais pelos bancos que, ali, naqueles ajustes de hedge, apareciam como contratados. Ainda mais se considerando que, ao menos no Brasil, tais instituições financeiras se guardavam com limitações quantitativas na variação a menor do dólar, o que não aconteciam com as empresas que operavam contra a expectativa de alta da moeda americana.

Assim como no Brasil, empresas em outros países também vinham adotando com frequência esse mecanismo financeiro e foram igualmente surpreendidas com a crise financeira. Nesse cenário, é importante estarmos atentos a um recente julgamento da corte judicial do distrito central de Seul, na Coreia do Sul. A corte decidiu pela anulação de contratos dessa natureza entre duas empresas exportadoras sul-coreanas - a DS LCD e MonAmi e o Standard Chartered Bank - em uma ação judicial movida pelas exportadoras.

O precedente internacional está criado. A base da argumentação estaria centrada no conceito de que tais contratações são exigíveis, em sua liquidação, desde que tais variações cambiais se processem dentro de um espectro razoável, o que não terá ocorrido com a desabrida alavancada do dólar.

Há quem argumente que os contratantes, buscando aquele recurso protetor do hedge, estariam se submetendo "às sempre possíveis variações de uma moeda corrente, na medida em que essa potencial flutuação seria da natureza mesma da proteção que ali se procura". O contra-argumento, aqui bem ponderável, é que no espectro padrão das operações de cobertura, como essas e tantas, leva-se em conta variações ocorrentes dentro de um curso mediano da economia, e não os desvios graves, súbitos e desproporcionais como os que sucederam na cotação da moeda americana no rastro da gravíssima crise financeira global.

Nos termos da legislação brasileira é razoável se suportar ainda essa senda pela anulação desses ajustes nas exigibilidades estritas dessas cláusulas de liquidação pelo valor inchado do dólar, no princípio expresso no artigo 421 do Código Civil, onde se afirma que a liberdade de contratar é exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Não se pode negar que tais contratos de hedge ou, livremente traduzidos, de proteção financeira, tem uma finalidade de assegurar justamente uma garantia de compensação de perdas possíveis. Portanto, deve-se concluir que sua funcionalidade social fica distorcida, ou aviltada, quando a flutuação da moeda de conta, referência base da operação, sofre um brutal e imprevisível aumento. O que já nos leva ao artigo subsequente do Código Civil, o artigo 422, onde se demanda que as partes devem guardar na execução dos ajustes o princípio da boa-fé, hoje consagrado pelos estudiosos como a "boa-fé contratual". Sempre se observando, como já acima notado, que os bancos, as instituições financeiras, nos contratos de hedge cambial, tratam de estabelecer limites para suas eventuais perdas na liquidação das operações ali tratada. Fixa-se um teto ou no caso, um chão, para além do qual as operações não respondem se a moeda americana passar daquele quantitativo na sua taxa de conversão.

Esse desbalanceamento entre a posição contratual do banco, que é o operador privilegiado do comércio da moeda, e a empresa que procura seu escudo no hedge cambial, também contribui para o questionamento da juridicidade dessas cláusulas de liquidação tão ruinosa. Para além disso, também há que se notar que esses contratos, cuja execução é, por conceito, diferida no tempo, permitem que a parte que se vir afetada por uma obrigação de pagamento tornada excessivamente onerosa em vista de fatos extraordinários e imprevisíveis possa pedir a resolução, o término do ajuste, ou sua revisão. O objetivo é tornar o contrato mais adequado e razoável, conforme permitem os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil.

Pelo que se observa, já com uma sólida base legal na ordem jurídica brasileira e com respaldo em uma pioneira decisão da corte coreana em uma hipótese idêntica, as exportadoras brasileiras que se acharam presas a esse desmedido cometimento com liquidações extremamente onerosas podem procurar a revisão ou a anulação dessas cláusulas contratuais que se tornaram abusivas.

João Luiz Coelho da Rocha é advogado e sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

SEC 978: Falta de Assinatura da Cláusula Compromissória Ofende a Ordem Pública

Prezados, o STJ decidiu um caso de arbitragem internacional. O inteiro teor ainda não está disponível, mas a ementa (transcrita abaixo) já permite ponderações.

Pela leitura da ementa, houve um contrato de compra e venda entre empresa italiana (Indutech SPA) e empresa brasileira (Algocentro Armazéns Gerais Ltda.), posteriormente aditado. Tudo indica que havia cláusula compromissória no contrato, mas que ela não foi assinada em particular. Posteriormente, parece ter havido uma disputa e a parte brasileira se recusou a assinar o compromisso arbitral. A parte estrangeira tentou a homologação, mas o STJ recusou, por duas razões: (1) violação da autonomia da vontade (art. 4o, par. 2 da Lei 9307); e (2) ordem pública.

Gostaria de chamar atenção para algumas coisas:

(1) o art. 4, par. 2, da Lei de Arbitragem se refere a contratos de adesão. Será que o contrato era de adesão? Será que o STJ interpretou um contrato de compra e venda internacional, provavelmente padrão, como de adesão? É desejável que o STJ faça isso?

(2) É apropriada a referência à lei de arbitragem, considerando que o Brasil internalizou a Convenção de Nova York de 1958 sobre reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras?

(3) A falta de assinatura na específica cláusula compromissória relmente é uma ofensa à ordem pública tamanha a ponto de prevenir a homologação da sentença estrangeira? Se for, a referência ao art. 4, par. 2 da Lei de Arbitragem passa a fazer mais sentido.

Este é o dispositivo da lei de arbitragem: "
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."

Esta é a ementa do acórdão:

SEC. ASSINATURA. CLÁUSULA. JUÍZO ARBITRAL.

Impossibilita a homologação da sentença arbitral estrangeira a ausência de assinatura na cláusula de eleição do juízo arbitral contida em contrato de compra e venda, no seu termo aditivo e na indicação de árbitro em nome da ora requerida, porquanto isso ofende o princípio da autonomia da vontade e a ordem pública (art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996). Precedente citado: SEC 967-GB, DJ 20/3/2006. SEC 978-GB, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 17/12/2008.

EMENTA
SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. AUSÊNCIA DE ASSINATURA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. "A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige
aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem." (SEC nº 967/GB, Relator Ministro José Delgado, in DJ 20/3/2006).
2. A falta de assinatura na cláusula de eleição do juízo arbitral contida no contrato de compra e venda, no seu termo aditivo e na indicação de árbitro em nome da requerida exclui a pretensão homologatória, enquanto ofende o artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.307/96, o princípio da autonomia da vontade e a ordem pública brasileira.
3. Pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira indeferido.