quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Sociedades estrangeiras precisam de autorização presidencial para participar em Limitadas?

Pessoal, eu havia postado essa reportagem no ano passado, mas ninguém deu bola e nem eu mesmo escrevi a respeito. Vou chamar de novo a atenção de vcs para a questão. Ela é muito importante.

A controvérsia gira em torno do art. 1134 do Código Civil: "A sociedade estrangeira, qualquer que seja seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira."
Os pontos centrais: (1) o que são estabelecimentos subordinados; e (2) a parte final, que as autoriza "todavia" a ser acionista de sociedade anônima brasileira.

Uma primeira possibilidade é interpretar estabelecimentos subordinados tanto como filiais etc. sem personalidade jurídica própria quanto subsidiárias com personalidade jurídica própria. Esta interpretação possui embasamento pela parte final, que excepciona sociedades anônimas (o que daria a entender que S/As brasileiras seriam "estabelecimentos subordinados") e, a contrario sensu, proibiria a atuação indireta por meio de quaisquer outras formas societárias (limitadas, comandita por ações, simples, etc.).

A segunda possibilidade é interpretar o art. 1134 em linha com o art. 11, par. 1, da LICC que diz: "Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira." Assim, só seriam "estabelecimentos subordinados" as filiais etc. sem personalidade jurídica própria. Interessante notar que essa interpretação também se ajusta à redação do art. 1136, par. 2, inc. II, que exige inscrição de sociedades estrangeiras em livro especial, no qual constarão "lugar da sucursal, filial ou agência no País.

A parte final do artigo, entretanto, seria deixada meio que sem função. Ao mesmo tempo, essa interpretação seria consistente com a alteração implementada pela EC 6/95, que revogou o art. 171 da CF (que permitia tratamento diferenciado a empresas controladas por brasileiros).

Por outro lado, acho que a interpretação usual da EC no sentido de que não pode haver distinção entre companhias controladas por capital brasileiro ou estrangeiro não implica necessariamente na inconstitucionalidade da primeira interpretação do art. 1134. O art. 1134 se refere à sociedade estrangeira que deseja participar em sociedades brasileiras (que precisaria se registrar), não à sociedade brasileira controlada por estrangeiros.

Pessoalmente, penso que a segunda interpretação é mais apropriada, pela interpretação sistemática descrita acima. A interpretação da advogada mencionada abaixo (inconstitucionalidade) não me convence.

Esse assunto é muito importante, como demonstram os potenciais impactos de se entender que as sociedades brasileiras controladas por sociedades estrangeiras sem autorização do Executivo para tanto seriam sociedades irregulares.

O que vocês acham? Qual a interpretação que julgam apropriada? Por quais argumentos? Vocês enxergam algum argumento adicional para qualquer uma das duas interpretações?


Juízes entendem que estrangeiras sócias de limitadas são irregulares
Zínia Baeta. VALOR ECONÔMICO. 20/10/2008

No início deste ano a Justiça paulista negou a uma empresa o requerimento de falência de um credor por ela ser sócia estrangeira de uma sociedade limitada no país. A 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo entendeu que, por ser cotista de uma limitada e funcionar sem a autorização do Poder Executivo, a empresa seria irregular e, portanto, não teria o direito de pedir a falência de um credor. Em uma outra situação, a Justiça do trabalho da capital paulista autorizou que os sócios de uma sociedade limitada respondessem com seus bens pelos débitos trabalhistas da empresa. A sociedade também foi considerada irregular por possuir sócios estrangeiros e atuar sem a autorização do Executivo. As decisões citadas, ainda que de primeira instância e raras na jurisprudência, ilustram os debates que começam a surgir no Poder Judiciário sobre o funcionamento das sociedades estrangeiras no Brasil.

A discussão sobre a questão surgiu com o novo Código Civil em 2002 e está hoje dividida em duas correntes doutrinárias: uma entende ser necessária a autorização do Poder Executivo para a participação de estrangeiros em limitadas - apesar dos entraves práticos - e que sociedades estrangeiras só poderiam participar de sociedades anônimas no país. A outra corrente defende não existir qualquer empecilho legal para a participação das estrangeiras em empresas limitadas. A questão é no mínimo polêmica, já que o número de empresas atingidas pela discussão é imenso.

O advogado Armando Rovai, professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), defende a necessidade de autorização do Poder Executivo para o funcionamento de sociedades nessas circunstâncias. Segundo ele, a lei veda a participação do estrangeiro nas limitadas sem esse consentimento. Para o professor, o artigo 1.134 do novo Código Civil é claro ao estabelecer essa necessidade. O dispositivo diz que "a sociedade estrangeira, qualquer que seja o objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no país, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo todavia ser acionista de sociedade anônima brasileira".

O juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Alexandre Alvez Lazzarini, levou em consideração esse artigo do Código Civil para negar o requerimento de falência realizado por uma sociedade estrangeira em relação a um credor no Brasil. O magistrado entendeu tratar-se de uma empresa irregular - e, sendo assim, não poderia postular a falência de outra empresa. Lazzarini entende que uma empresa limitada, para ter em seus quadros um sócio estrangeiro, precisa obter a autorização do Executivo para funcionar. Em caso contrário, como afirma, estará sujeita às conseqüências de sua irregularidade. O que, na prática, significa não estar apta a pedir a falência de credores, participar do quadro de credores de uma recuperação judicial ou mesmo pedir a própria recuperação judicial. No entanto, segundo o magistrado, essa mesma empresa poderá figurar como ré em um processo de falência. Para ele, essas circunstâncias poderão ter efeitos também no direito de família, principalmente em relação aos planejamentos sucessórios que costumam utilizar off shores nessas operações.

A juíza do trabalho, Thereza Cristina Nahas, titular da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, defende esse mesmo ponto de vista e o tem aplicado em algumas de suas decisões. Segundo ela, o artigo 1.134 do novo Código Civil é mais um fundamento para aplicar-se a responsabilidade direta do sócio e do administrador pelos débitos trabalhistas da empresa. Nessa situação, eles respondem com seus bens pela dívida.

"Essas decisões judiciais são preocupantes, pois quase toda estrangeira que chega ao país investe em limitadas por ser o procedimento mais simples e baratos", afirma a advogada Tânia Liberman, do escritório Koury, Lopes Advogados (KLA). A advogada entende que o artigo do novo Código Civil não veda essa participação. Para ela, a necessidade de autorização ocorreria apenas para a abertura de uma filial de uma empresa estrangeira no Brasil. Tânia também argumenta que a Constituição Federal proíbe a distinção entre empresas nacionais e estrangeiras. "Uma diferenciação entre empresas brasileiras e com capital estrangeiro seria inconstitucional", afirma a advogada Maria Lúcia de Almeida Prado e Silva, sócia do escritório Demarest e Almeida. A advogada lembra que o próprio Código Civil prevê que no contrato social das empresas deve constar a nacionalidade de seus sócios e o local de sua sede. Os advogados também lembram que o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), em 2003, atendendo a uma consulta da Junta Comercial do Estado do Maranhão, entendeu não existir qualquer óbice na participação de um sócio estrangeiro em uma empresa limitada.

Para o professor de direito comercial da graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito do Mackenzie, Fabiano Del Masso, a exigência de aprovação, pelo Executivo, da participação de um sócio estrangeiro em uma limitada seria um procedimento que traria uma série de entraves às empresas. "Não é uma prática do Executivo e não há regras claras sobre isso", afirma. No entanto, o professor entende que as empresas constituídas nessa situação seriam irregulares. Para ele, a saída para essas empresas é buscar a autorização ou fazer a transformação da limitada em sociedade anônima - cujos custos e exigências são muito maiores. A advogada Tânia Liberman afirma que a abertura de uma filial de estrangeira no Brasil, por exemplo - que exige autorização do Executivo - é um procedimento que demora alguns anos. Se for aplicado às limitadas, o mesmo poderá ocorrer.

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