quinta-feira, 25 de junho de 2009

Fim da Jurisdição Universal na Espanha

Aproveitando a leva de uma reforma no Judiciário, os deputados espanhóis modificaram o art. 23 da Lei Orgânica do Poder Judiciário daquele país. Este artigo estabelecia a tão falada Jurisdição Universal que autorizava a Audiência Nacional (órgão Judiciário independente) para julgar crimes de lesa humanidade. (O texto integral da reforma foi obtido por este blog neste link).

Após a reforma de 2003 na Bélgica, a Espanha era um dos poucos países (ou o único?) em que um dos seus tribunais mantinha a competência para julgar crimes contra os direitos humanos cometidos em qualquer rincão do planeta. Lembrem-se do caso Pinochet, cuja decisão que o manteve na Grã-Bretanha foi de um juiz (Garzón) com base neste artigo.

Mas, afinal, do que se trata a Jurisdição Universal? Refere-se de uma regra de ampliação de Jurisdição (ou competência para alguns) para que determinados tribunais nacionais (no caso espanhol a Audiência Nacional) sejam competentes para processar e julgar determinados crimes, mesmo que o caso tenha pouca ou nenhuma ligação com o país.

A lei espanhola estabelecia (e continua estabelecendo) diversas hipóteses, como crimes de genocídio, lesa-humanidade e cometidos contra menores. Antes da reforma, que foi obtida nesta quinta-feira por uma aliança de conservadores (PP) e esquerdistas (PPOE) (confira-se reportagem no El País e na BBC), a Espanha podia processar e julgar qualquer pessoa, em qualquer país. Assim, possíveis crimes cometidos por oficiais americanos (Guantânamo), israelitas (bombadeio em Gaza) e africanos (Ruanda) foram levados à investigação naquela corte.

Nem todos estão tristes com essa mudança. Dentre os aliviados, estão o governo espanhol, que sofreu até ameaças da retaliações da China por investigações a respeito do tratamento dado aos tibetanos, mas também aqueles que acreditam que se deve limitar a aplicação do direito internacional (ou até mesmo dos direitos humanos). Até mesmo o Presidente do Tribunal Supremo (Trib. Constitucional espanhol), Carlos Dívar, defendeu o fim da aplicação da lei para estrangeiros.

Apesar da falta de eficácia de uma provável decisão, ONGs ligadas aos direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Humans Right Watch, deploraram a decisão (confira-seo manifesto neste link). Defenderam que, apesar da falta de eficácia, tratava-se de um meio eficiente para pressionar os governos a reverem suas políticas e aumentar a publicidade sobre o tema.

Apesar disso, a Audiência Nacional mantém sua jurisdição para os casos anteriormente tratados mas desde que eles tenham alguma conexão com a Espanha, seja por um nacional, seja por outro motivo. Pelo menos eles, os espanhóis, vão poder continuar dormindo tranqüilos.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Denúncia de Tratados no Brasil

Todo mundo aqui aprendeu na escolinha que cabe ao Congresso Nacional aprovar os tratados e convenções, mas que a denúncia era ato unilateral do Presidente da República. Parece que isso vai mudar.

Há duas semanas, foi retomado o julgamento no STF da ADI 1625/DF, que já recebeu os votos dos Ministros Maurício Corrêa, Carlos Britto e Nelson Jobim. O Min. Joaquim Barbosa pediu vista no dia 26/03/2006 e o julgamento foi retomado no Plenário do dia 03/06/2009. Após este voto a Min. Ellen Gracie pediu vista.

Trata-se da interpretação do artigo 49, I, CF/88 que diz cabe ao Congresso Nacional resolver sobre Tratados. Os autores da ADI (CONTAG e CUT) pretendem declarar a inconstitucionalidade da denúncia da Convenção 158 da OIT (Decreto 2100/96). Até o momento, o Min. Nelson Jobim havia votado pela improcedência do pedido e os Mins. Corrêa e Britto pela procedência, entendendo que cabe a oitiva do Congresso Nacional também na denúncia dos Tratados.

O voto do Min. Joaquim Barbosa foi no caminho dos outros Mins. mas com algumas ressalvas. Alguns pontos interessantes do seu voto:
1. Apesar de ausência de norma específica a interpretação conforme a Constituição requer que o art. 49, I, seja visto também como uma mandamento para a denúncia dos tratados.
2. Há o surgimento, no direito comparado, do princípio da "co-participação parlamento-governo em matéria de tratado."
3. Como desde 1977 o STF tem interpretado que os tratados têm (este blog ainda não está no novo português!) força de lei, somente poderiam revogados por um ator posterior de idêntica ou superior hierarquia.
4. Se antes da Emenda 45/2004 os tratados de Direitos Humanos não poderiam ser considerados como Emendas, eles teriam, no entanto, superior à lei e inferior à Constituição.
5. O Poder Executivo manteria a prerrogativa de decidir quais tratados seriam denunciados ou não, ou seja, o monópolio da oportunidade.

A petição inicial defendeu a divisão entre tratados-contrato e tratados-norma, assunto que não foi mencionado pelo Min. Joaquim Barbosa.
No entanto, em seu voto, ele defendeu que a declaração de inconstitucionalidade "somente teria o efetio de tornar o ato de denúncia não-obrigatório no Brasil" (...). Assim o decreto que internacionalizou a convenção continuaria válido internamente, mas a denúncia também seria válida!
Ou seja, valeria para dentro e não para fora. O Presidente da República poderia, portanto, "re-ratificar" o tratado e ele voltaria a produzir efeitos externamente. Até agora: 3x1.