segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Hedge Cambial: Precedente Internacional?

Caros, como vcs podem ler abaixo, a atual maxi-desvalorização do real vai dar origem a outra onda de litígios sobre contratos vinculados a moeda estrangeira. Mas, agora, ao invés de leasing the automóveis, tudo indica que serão as perdas milionárias nos contratos de hedge cambial.

Claro que esta questão não é tão relevante para o direito internacional -- está é mais no campo dos contratos. Argumentos sobre imprevisibilidade, pacta sund servanda, aleatoriedade dos contratos, etc. são todos apropriados. Pessoalmente, acho que os contratos de hedge envolvem um risco que não era desconhecido das partes contratantes, que o valor da comissão cobrada pelo banco levou em consideração os limites de risco do banco e a exposição ilimitada da companhia e que não podemos dizer que uma desvalorização do real fosse realmente imprevisível ao consideramos nossa história monetária. Isso para não falar dos incentivos negativos ex ante que uma decisão de revisar ex post os contratos pode ter.

Mas o que interessa aqui é o seguinte: o autor abaixo invoca uma decisão coreana para dizer, implicitamente, que outros países revisam os contratos de hedge e que o Brasil deveria importar isso. Isso é exercício de Direito Comparado?

A Profa. Marilda (no artigo "Importância do Direito Comparado", naquele livro em homenagem ao Prof. Jacob) explica os dois métodos de Dir. Comparado, macrocomparação e microcomparação. Acho que os nomes já explicam muito, e que o autor tenta fazer um uso de microcomparação. Mas esse uso é inapropriado. Não há nenhuma informação sobre o sistema jurídico coreano -- que difere em muito da tradição brasileira -- e não se sabe as circunstâncias específicas do caso. É uso puramente retórico de métodos do direito internacional para se tentar influenciar a opinião pública(da) e obter vantagens estratégicas em litígios.

Precisamos ficar atentos a esses usos. Pessoalmente, acho até que eles podem resultar em antipatia ao método do Direito Comparado. Claro que estamos falando de um artigo de jornal, necessariamente curto. Mas o uso retórico do direito comparado está claro.

O que vocês acham? Estou sendo muito paranóico ou vocês compartilham meu temor?

Hedge Cambial e o Precedente Internacional
João Luiz Coelho da Rocha. Valor Econômico. 09/02/2009
Como muitos sabem, recentemente, nesse turbilhão que afetou mercados financeiros, uma das consequências no Brasil foram as enormes perdas de companhias, sobretudo exportadoras, com o insucesso das suas operações de hedge cambial, à vista da súbita e acentuada alta do dólar. Com isso, perdas gigantescas foram reveladas nos resultados de grandes e sérias corporações, aquelas que justamente têm apresentado sólidos ganhos nos últimos anos em suas receitas operacionais.

Pois foi justamente o caráter súbito, imprevisível no curso normal e tão avolumado dessa disparada cambial que já levou a se ponderar sobre a efetiva exigibilidade dessas contrapartidas contratuais pelos bancos que, ali, naqueles ajustes de hedge, apareciam como contratados. Ainda mais se considerando que, ao menos no Brasil, tais instituições financeiras se guardavam com limitações quantitativas na variação a menor do dólar, o que não aconteciam com as empresas que operavam contra a expectativa de alta da moeda americana.

Assim como no Brasil, empresas em outros países também vinham adotando com frequência esse mecanismo financeiro e foram igualmente surpreendidas com a crise financeira. Nesse cenário, é importante estarmos atentos a um recente julgamento da corte judicial do distrito central de Seul, na Coreia do Sul. A corte decidiu pela anulação de contratos dessa natureza entre duas empresas exportadoras sul-coreanas - a DS LCD e MonAmi e o Standard Chartered Bank - em uma ação judicial movida pelas exportadoras.

O precedente internacional está criado. A base da argumentação estaria centrada no conceito de que tais contratações são exigíveis, em sua liquidação, desde que tais variações cambiais se processem dentro de um espectro razoável, o que não terá ocorrido com a desabrida alavancada do dólar.

Há quem argumente que os contratantes, buscando aquele recurso protetor do hedge, estariam se submetendo "às sempre possíveis variações de uma moeda corrente, na medida em que essa potencial flutuação seria da natureza mesma da proteção que ali se procura". O contra-argumento, aqui bem ponderável, é que no espectro padrão das operações de cobertura, como essas e tantas, leva-se em conta variações ocorrentes dentro de um curso mediano da economia, e não os desvios graves, súbitos e desproporcionais como os que sucederam na cotação da moeda americana no rastro da gravíssima crise financeira global.

Nos termos da legislação brasileira é razoável se suportar ainda essa senda pela anulação desses ajustes nas exigibilidades estritas dessas cláusulas de liquidação pelo valor inchado do dólar, no princípio expresso no artigo 421 do Código Civil, onde se afirma que a liberdade de contratar é exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Não se pode negar que tais contratos de hedge ou, livremente traduzidos, de proteção financeira, tem uma finalidade de assegurar justamente uma garantia de compensação de perdas possíveis. Portanto, deve-se concluir que sua funcionalidade social fica distorcida, ou aviltada, quando a flutuação da moeda de conta, referência base da operação, sofre um brutal e imprevisível aumento. O que já nos leva ao artigo subsequente do Código Civil, o artigo 422, onde se demanda que as partes devem guardar na execução dos ajustes o princípio da boa-fé, hoje consagrado pelos estudiosos como a "boa-fé contratual". Sempre se observando, como já acima notado, que os bancos, as instituições financeiras, nos contratos de hedge cambial, tratam de estabelecer limites para suas eventuais perdas na liquidação das operações ali tratada. Fixa-se um teto ou no caso, um chão, para além do qual as operações não respondem se a moeda americana passar daquele quantitativo na sua taxa de conversão.

Esse desbalanceamento entre a posição contratual do banco, que é o operador privilegiado do comércio da moeda, e a empresa que procura seu escudo no hedge cambial, também contribui para o questionamento da juridicidade dessas cláusulas de liquidação tão ruinosa. Para além disso, também há que se notar que esses contratos, cuja execução é, por conceito, diferida no tempo, permitem que a parte que se vir afetada por uma obrigação de pagamento tornada excessivamente onerosa em vista de fatos extraordinários e imprevisíveis possa pedir a resolução, o término do ajuste, ou sua revisão. O objetivo é tornar o contrato mais adequado e razoável, conforme permitem os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil.

Pelo que se observa, já com uma sólida base legal na ordem jurídica brasileira e com respaldo em uma pioneira decisão da corte coreana em uma hipótese idêntica, as exportadoras brasileiras que se acharam presas a esse desmedido cometimento com liquidações extremamente onerosas podem procurar a revisão ou a anulação dessas cláusulas contratuais que se tornaram abusivas.

João Luiz Coelho da Rocha é advogado e sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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