quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Papel da ONU na Somália

Seguem dois artigos mais ou menos sobre o mesmo tema. Um tratando da morte e sequestro de diversas pessoas na Somália. As forças de paz da ONU deveriam agir?

O outro artigo trata do pedido da Hilary ao Japão para que considere a possibilidade de que os navios japoneses se mobilizem para protejer navios estrangeiros na costa da Somália. E usa como argumento a necessidade de "um papel mais ativo [do japão] em operações de manutenção da paz das Nações Unidas".

Algumas questões:

Proteção aos navios é a prioridade na manutenção da paz? Os navios merecem mais proteção que as pessoas morrendo? É esse o papel da ONU? Se fosse realmente uma questão de manutenção da paz, uma preocupação com os seres humanos daquela região (não com os navios estrangeiros), não deveria o conselho de segurança votar uma ação dos boina azuis nesse sentido? Se há previsão na carta de atuação direta das forças da ONU, porque insistir que outro país o faça?

O fato é que exércitos de países ocidentais servindo sob a bandeira das Nações Unidas tornaram-se exceções raríssimas. As nações mais poderosas estão esvaziando a atuação da Onu cada vez mais. As operações militares bem-sucedidas da última década (Kosovo em 1999, Timor Leste em 1999 e Serra Leoa em 2000) não foram conduzidas pelas Nações Unidas, mas por “coalizões voluntárias”. Como disse Samantha Power em um artigo do Le Monde Diplomatique "Em vez de reforçar estruturas coletivas que permitam efetuar tarefas humanitárias e de manutenção da paz, essenciais, os países ricos decidiram formar blocos do eu-sozinho ou ficar no canto deles." E com isso a ONU fica cada vez mais desacreditada...

Outro ponto que acho no mínimo curioso é que o pedido para que o japão esqueça ou ignore as caracteristicas pacifistas presente em diversos artigos da sua constituição, vem justamente de quem escreveu (junto com os outros aliados) a constiuição do japão no fim da segunda guerra. Não é interessante como a história dá voltas?

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bj

17/02/2009 - 10h51
Hillary pede que Japão proteja navios contra piratas na Somália
da Efe, em Tóquio
A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pediu nesta terça-feira ao ministro da Defesa japonês, Yasukazu Hamada, que os destróieres que começarão a patrulhar em águas somalis a partir de março defendam todo tipo de navio do ataque de piratas.
Efe

Hillary pede que Japão fortaleça ação contra os piratas somalis
Hillary se reuniu com Hamada antes de participar de um colóquio na Universidade de Tóquio e se reunir com o primeiro-ministro japonês, Taro Aso, durante sua visita oficial no Japão.
A secretária americana expressou a Hamada sua esperança de que o Japão considere a possibilidade de que os navios de guerra que vão se mobilizar protejam navios estrangeiros em situações de emergência, mas reconheceu as dificuldades legais disso, informou a agência local Kyodo.
O ministro da Defesa japonês disse que estão considerando uma nova lei que possa autorizar as Forças Navais de Autodefesa japonesas a agir em casos nos quais os interesses japoneses não sejam diretamente ameaçados.
O Japão deve posicionar dois destróieres em águas do golfo de Áden, para defender navios de bandeira japonesa e com pessoal ou bens japoneses em perigo.
Hillary incentivou o Japão a adotar um papel mais ativo em operações de manutenção da paz das Nações Unidas, apesar da Constituição pacifista do Japão colocar obstáculos ao desdobramento de Forças Armadas, exceto por motivos de autodefesa.
Na opinião da chefe da diplomacia americana, o Japão adotou um papel muito importante em relação à pirataria no Chifre da África e terá um papel crítico em alguns pontos de alto risco, disseram fontes japonesas à Kyodo.

Terroristas atacam base militar da União Africana na Somália e matam dez
da Efe, em Mogadício

Ao menos dez pessoas morreram neste domingo em ataques suicidas com bombas cometidos contra uma base da Missão da União Africana (UA) na Somália (Amisom) em Mogadício.
Um militar ugandense da missão, que pediu para não ser identificado, disse à agência Efe que um dos dois suicidas, que carregava um cinto com explosivos, "fingiu ser um vendedor ambulante de bananas, atraindo vários soldados e, quando estavam perto dele, fez explodir a bomba".
Segundo a fonte, cinco soldados, dos quais não especificou se eram de Burundi ou Uganda, morreram e outros militares ficaram feridos, enquanto três civis que estavam nas proximidades também morreram, informação que não foi confirmada pelo porta-voz da UA em Mogadício.
Os outros dois mortos são os terroristas que detonaram os explosivos que carregavam quando entraram no prédio da antiga Universidade Nacional de Mogadício, utilizada atualmente como base do contingente militar burundinês da Amisom, disse por telefone à agência Efe o porta-voz do Shabab Sheikh Mukhtar Rowbow Ali.
"Dois de nossos mártires detonaram seus explosivos contra os cristãos do Burundi enquanto assistiam à missa", disse Rowbow Ali, que explicou que um dos suicidas levava uma bomba amarrada à cintura e o outro transportava explosivos num automóvel, jogado contra as tropas burundinesas.
Sequestro
O porta-voz do Shabab identificou os dois insurgentes como Ahmed Sheikhdon Sidow e Mursal Abdinoor Mohammed. Ainda segundo ele, "vários soldados morreram nas explosões".
No entanto, o porta-voz da missão de paz africana, capitão Berigye Ba-Hoku, desmentiu o Shabab, e disse que as explosões foram de morteiro, mas não confirmou se houve baixas entre os soldados da Amisom.
Já testemunhas asseguraram que houve um ataque com carro-bomba, mas que o veículo explodiu "perto da base" da Amisom, e não dentro da mesma.
Enquanto isso, em Puntlândia, região autônoma do norte da Somália, um grupo armado sequestrou hoje um empregado estrangeiro de uma companhia mineira e seu tradutor somali, que iam de Bossaso, a capital regional, à localidade de Taleh.
Um comunicado do Ministério de Segurança de Puntlândia informou que o estrangeiro é de origem paquistanesa e com cidadania britânica, e que foi sequestrado junto com seu tradutor local depois que um grupo de 15 homens fortemente armados atacou o veículo no qual viajavam.

Fonte: Folha de SP.

3 comentários:

Rafael Baleroni disse...

Érica,
Obrigado pela postagem! O espírito é esse!

Quero comentar sobre o ponto da proteção aos navios.

O que está acontecendo no Chifre da África é pirataria. Pelo que li no artigo, não houve pedido que a ONU organizasse uma força para atacar os piratas. Até porque não precisa.

Pirataria é uma atividade proscrita há séculos e tradicionalmente reconhecida como sujeita à jurisdição universal dos Estados. Não é necessário que ninguém peça autorização da ONU para usar força militar contra piratas. O art. 2(4) se refere ao uso da força contra outros Estados (não atores não estatais que violam o direito internacional), não sendo preciso o recurso ao Capítulo 7 da Carta da ONU para atuar contra os piratas. Se pode ser papel da ONU combater pirataria e violações da "lei das nações", esse é outro debate (eu acho que pode ser, mas que isso não retiraria o poder dos Estados fazê-lo).

O que a Hillary pediu foi que o Japão ajude a manter a paz internacional, o que é complicado tendo em vista a redação do art. 9(2) da Constituição do Japão, que renuncia à manutenção de quaisquer forças armadas. Acho que a atuação dos EUA é uma forma de pressão aprovação da Emenda Constitucional proposta em 2005, que permitiria que o Japão mantivesse forças para defesa e participação em operações internacionais.

Sim, é interessante como a história dá voltas. A situação descrita ilustra como o balanço de poder é essencial para a configuração da ordem internacional e dos Estados, e que mudanças no balanço de poder podem fazer com que ajustes pretéritos fiquem obsoletos. Hoje o Japão é um aliado dos EUA e um país economicamente poderoso, ao passo que os EUA estão usando recursos preciosos para manter projetar seu poder além-mar e cumprir, sozinho, um papel de polícia global. Esse movimento é claramente uma busca por apoio para a manutenção da atual ordem mundial.

Abraços,
Rafael Baleroni

Érica Martins disse...

Meu ponto foi só que o foco das discussões entre as 2 grandes potências quando falam na Somália neste momento é a pirataria, não o massacre que parece estar ocorrendo lá, esse sim, talvez digno de uma intervenção da ONU.

E menciono a ONU, porque no mesmo artigo fala da Hilary pedindo do Japão um "papel mais ativo em operações de manutenção da paz das Nações Unidas." E concordo com você, com isso ela não quer dizer que quer ver mais boinas azuis de olhos puxados, ela quer o apoio nas operações militares que interessam aos EUA e que ele coordena segundo os seus interesses, nem sempre humanitários, nem sempre de paz, embora sob esta bandeira.

A título de curiosidade li recentemente que atualmente, os países que fornecem os maiores contingentes para a ONU são são Bangladesh, Índia, Paquistão, Etiópia e Gana. Etiópia!! E devido a cortes orçamentários, os 66 mil soldados da força de paz são apoiados na sede da ONU por apenas 500 funcionários. Nenhum Estado-membro ocidental pensaria em mandar seus soldados para zonas perigosas com tão pouco suporte na retaguarda. Mas quando os soldados vêm dos países em desenvolvimento, as grandes potências não questionam...

Sei que isso está mais pra política do que pra dir int., mas acho essa parte de relações internacionais muito interessante. Tentarei postar mais sobre DIP.

bj

Rafael Baleroni disse...

Deixa eu reverter a sua pergunta: se o mecanismo multilateral de uso da força não funciona, por que insistir no caminho multilateral ao invés do unilateral?