sábado, 11 de julho de 2009

ADPF 182: Conceito de Pessoa com Deficiência

A PGR ajuizou na quinta feira, 09/07, a ADPF 182. Ela busca alterar a definição de pessoa com deficiência prevista no art. 20, par. 2o, da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8742/93), que corresponde a "pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho". Até aí você pensa: cadê o direito internacional?

A ADPF baseia seu argumento na incompatibilidade desta definição com aquela estabelecida no art. 1o da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008. Este decreto foi aprovado nos termos do par. 3 do art. 5 da CF, e possui status de emenda constitucional.

Esta convenção as define como "Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas." Um conceito muito mais amplo do que o da LOAS.

Muito embora a ADPF seja bem intencionada, ela possui um risco de ampliar de sobremaneira aqueles que farão jus a assistência social do Estado -- prejudicando ainda mais as contas previdenciárias do país. Nessa linha, vale a pena destacar que o art. 4 da convenção estabelece que "Em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, cada Estado Parte se compromete a tomar medidas, tanto quanto permitirem os recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação internacional, a fim de assegurar progressivamente o pleno exercício desses direitos, sem prejuízo das obrigações contidas na presente Convenção que forem imediatamente aplicáveis de acordo com o direito internacional."

O problema do Decreto e da ADPF, no fundo, é muito mais sério e integrante de uma questão maior. Refere-se ao esvaziamento do legislativo e da falta de ampla participação social nos debates acerca das políticas públicas do país, em favor de políticas estabelecidas em uma burocracia internacional. Decisões importantes cada vez mais são tomadas fora dos círculos de deliberação democrática nacionais -- onde há accountability dos representantes eleitos -- e implementadas por meio de litígios que invocam contrariedade de normas existentes com as novas normas que possuem hierarquia/status superior àquelas antigas (seja jurídica por serem constitucionalizadas ou seja moral). Este é um fenômeno não discutido no Brasil -- ainda.

Caudilhos, Golpes e Ditadores Democráticos

A atuação situação em Honduras motivou o Wall Street Journal a escrever uma excelente reportagem sobre o caudilhismo na América Latina. Claro que eles passam ao largo da história do Brasil, mas fazem um bom trabalho em falar a respeito da história de caudilhos na América Espanhola.

Não só os caudilhos de direita, que assumiram o controle por golpes usando força militar e passaram à História como ditadores, mas também os atuais caudilhos de esquerda, que usam de métodos pseudo-democráticos para se perpetuar no poder.

Vejam a reportagem no site do Wall Street Journal . Vejam também postagem anterior deste blog, que pergunta se a Venezuela ainda é uma democracia e que apresenta discussão sobre o império da lei e seu uso para perpetuação no poder.

Bom fim de semana!


segunda-feira, 6 de julho de 2009

RO 74: Imunidade de Jurisdição e Dtos Humanos

Queridos leitores, outro dia o STJ decidiu o RO 74. E este blog acha que este caso vai ser bastante citado e discutido em breve. E, aliás, pode ter impacto em situações similares àquela presente no RO 64, já discutido neste blog.

Em resumo, o caso foi o seguinte:

Um barco de pesca brasileiro foi afundado durante a 2a GM por submarino alemão. Arquivado por falta de provas, o caso foi re-aberto por ter sido encontrada, nos EUA, confissão a respeito pelos marinheiros alemães. O juiz de 1a instância decidiu ser caso de imunidade de jurisdição por haver ato de império e extinguiu sem julgamento do mérito. No STJ, a maioria decidiu que a Alemanha deveria ser intimada sobre o processo para renunciar ou não à sua imunidade. Até aí, nada de novo.

Mas é o voto vencido é que interessa no caso. O Min. Luis Felipe Salomão fez uma longa investigação sobre o estado atual da prática internacional a respeito da imunidade de jurisdição (convenção européia, lei americana, projeto da comissão de DI da ONU, decisões de cortes internacionais e estrangeiras, doutrina nacional e estrangeira). Com base nisto, conclui que a imunidade de jurisdição não prevalece mais em casos de violação de direitos humanos. O caso se enquadraria porque o submarino alemão violara a proibição de ataques a não-combatentes.

Os temas ligados aos impactos de violação de direitos humanos sobre institutos tradicionais de direito internacional (e de direito interno também) estão muito em voga. Talvez este voto-vencido seja um sinal de início de no jurisprudência no STJ a respeito? Nunca se sabe: o voto-vencido de hoje pode ser a jurisprudência consolidada da corte de amanhã...

Vejam a ementa abaixo e acessem o inteiro teor neste link.


Quarta Turma

DANOS. 2ª GUERRA MUNDIAL. CITAÇÃO. PAÍS.

O recorrente, descendente de pessoa falecida ao ter seu barco de pesca torpedeado por submarino alemão, em 1943, portanto durante a Segunda Guerra Mundial, pretende do Governo alemão o pagamento de indenização por danos morais e materiais. Consta que, em 1944, o Tribunal Marítimo arquivara o caso por ausência de provas, mas seis décadas depois, em julho de 2001, reabriu-o por provocação da Procuradoria da Marinha, ao tomar conhecimento de provas segunda as quais sobreviventes do submarino alemão, quando abatido, teriam confessado, nos Estados Unidos, que naufragaram o barco pesqueiro. Para o Min. Relator, sem embargo de tratar-se de ato de império que, em tese, não se submete à jurisdição de outro país soberano, o fato é que o estado estrangeiro, nessas hipóteses, tem a prerrogativa de renunciar a sua imunidade e se submeter ao processo. Por isso, deve haver a citação formal da pretensa ré para manifestar-se, uma vez que, no caso dos autos, essa providência não foi efetivada devido ao fato de o feito ter sido extinto sem resolução de mérito no juízo de primeiro grau. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso tão somente para determinar o retorno dos autos à origem para a citação formal da República Federal da Alemanha. Vencido, em parte, o Min. Luis Felipe Salomão, que dava provimento em maior extensão, afastando a imunidade de jurisdição, e determinava o retorno dos autos à origem a fim de o feito ter prosseguimento. Precedentes citados: RO 64-SP, DJ 23/6/2008, e RO 70-RS, DJ 23/6/2008. RO 74-RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 21/5/2009.