sexta-feira, 10 de outubro de 2008

MS 11308

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO DE ÁREA PORTUÁRIA.

CELEBRAÇÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. ATENTADO.

1. A sociedade de economia mista, quando engendra vínculo de natureza disponível, encartado no mesmo cláusula compromissória de submissão do litígio ao Juízo Arbitral, não pode pretender exercer poderes de supremacia contratual previsto na Lei 8.666/93.

2. A decisão judicial que confere eficácia à cláusula compromissória e julga extinto o processo pelo "compromisso arbitral", se desrespeitada pela edição de Portaria que eclipsa a medida afastada pelo ato jurisdicional, caracteriza a figura do "atentado" (art. 880 do CPC).

3.O atentado, como manifestação consistente na alteração do estado fático da lide influente para o desate da causa, pode ocorrer em qualquer processo. Impõe-se, contudo, esclarecer que, quando a ação é proposta, as partes não se imobilizam em relação ao bem sobre o qual gravita a lide. Nesse sentido, não se vislumbra na fruição normal da coisa ou na continuação de atos anteriores à lide (qui continuat non attentan). Assim, v.g., 'em ação de usucapião, como posse justificada, o usucapiente pode construir no imóvel; ao revés, há inovação no estado de fato e portanto comete atentado o réu que em ação reivindicatória procura valorizar o imóvel erigindo benfeitorias úteis no bem, ou o demandado que violando liminar deferida aumenta em extensão a sua infringência à posse alheia. De toda sorte, é imperioso assentar-se que só há atentado quando a inovação é prejudicial à apuração da verdade. O atentado pode ocorrer a qualquer tempo, inclusive, após a condenação e na relação de execução. (Luiz Fux, in, Curso de Direito Processual Civil, 3ª edição, Editora Forense, páginas 1637/1638) 4. Mandado de segurança impetrado contra ato do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, ante a publicação da Portaria Ministerial nº 782, publicada no dia 07 de dezembro de 2005, que ratificou os termos da rescisão contratual procedida pela Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A - NUCLEP, em 14 de junho de 2004, Ato Administrativo nº 01/2005, de 05 de setembro de 2005, do contrato administrativo de arrendamento C-291/AB -001, celebrado em 16 de dezembro de 1997, com a empresa TMC, terminal Multimodal de Coroa Grande S/A e autorizou tanto a assunção imediata pela NUCLEP, do objeto do contrato de arrendamento C-291/AB 001, conforme permissivo legal expresso no art. 80, inc. I da Lei 8.666/93, como a ocupação e utilização do local, instalações, necessárias à continuidade do objeto do contrato de arrendamento C-291-001, conforme permissivo legal expresso no art. 80, inc. II e § 3º, da Lei nº 8.666/93, em afronta às cláusulas 21.1 e 21.2, do Contrato de Arrendamento para Administração, Exploração e Operação do Terminal Portuário e de Área Retroportuária (Complexo Portuário), lavrado em 16/12/1997 (fls.31/42), de seguinte teor: “Cláusula 21.1 – Para dirimir as controvérsias resultantes deste Contrato e que não tenham podido ser resolvidas por negociações amigáveis, fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, RJ, em detrimento de outro qualquer, por mais privilegiado que seja.

Cláusula 21.2 - Antes de ingressar em juízo, as partes recorrerão ao processo de arbitragem previsto na Lei 9.307, de 23.09.06.

5. Questão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contrato administrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis.

6. A doutrina do tema sustenta a legalidade da submissão do Poder Público ao juízo arbitral, calcado em precedente do E. STF, in litteris: "Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar inúmeras explicações, e uma delas pode ser o erro, muito comum de relacionar a indisponibilidade de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que ligeiramente, à Administração." Um pesquisador atento e diligente poderá facilmente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso dos tribunais arbitrais por agentes do Estado.

Aliás, os anais do STF dão conta de precedente muito expressivo, conhecido como 'caso Lage', no qual a própria União submeteu-se a um juízo arbitral para resolver questão pendente com a Organização Lage, constituída de empresas privadas que se dedicassem a navegação, estaleiros e portos.

A decisão nesse caso unanimemente proferida pelo Plenário do STF é de extrema importância porque reconheceu especificamente 'a legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda.' Esse acórdão encampou a tese defendida em parecer da lavra do eminente Castro Nunes e fez honra a acórdão anterior, relatado pela autorizada pena do Min, Amaral Santos.

Não só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração, como, antes é recomendável, posto que privilegia o interesse público." (in "Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória", publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ,Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro - dezembro de 2002, coordenada por Arnold Wald, esclarece às páginas 398/399).

7. Deveras, não é qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles cognominados como "disponíveis", porquanto de natureza contratual ou privada.

8. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado “interesse público secundário”. Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso Antônio Bandeira de Mello e Min.

Eros Roberto Grau.

9. O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao “interesse público”. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.

10. Destarte, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse público, e não o interesse da administração.

11. Sob esse enfoque, saliente-se que dentre os diversos atos praticados pela Administração, para a realização do interesse público primário, destacam-se aqueles em que se dispõe de determinados direitos patrimoniais, pragmáticos, cuja disponibilidade, em nome do bem coletivo, justifica a convenção da cláusula de arbitragem em sede de contrato administrativo.

12. As sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres.

13. Outrossim, a ausência de óbice na estipulação da arbitragem pelo Poder Público encontra supedâneo na doutrina clássica do tema, verbis: (...) Ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos, Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade, O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta da Justiça." (No sentido da conclusão Dalmo Dallari, citado por Arnold Wald, Atlhos Gusmão Carneiro, Miguel Tostes de Alencar e Ruy Janoni Doutrado, em artigo intitulado "Da Validade de Convenção de Arbitragem Pactuada por Sociedade de Economia Mista", publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, nº 18, ano 5, outubro-dezembro de 2002, à página 418).

14.A aplicabilidade do juízo arbitral em litígios administrativos, quando presentes direitos patrimoniais disponíveis do Estado é fomentada pela lei específica, porquanto mais célere, consoante se colhe do artigo 23 da Lei 8987/95, que dispõe acerca de concessões e permissões de serviços e obras públicas, e prevê em seu inciso XV, dentre as cláusulas essenciais do contrato de concessão de serviço público, as relativas ao "foro e ao modo amigável de solução de divergências contratuais". (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: SE 5206 AgR / EP, de relatoria do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, publicado no DJ de 30-04-2004 e AI. 52.191, Pleno, Rel. Min. Bilac Pinto. in RTJ 68/382 - "Caso Lage". Cite-se ainda MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, Relatora Desembargadora Nancy Andrighi, DJ 18.08.1999.) 15. A aplicação da Lei 9.307/96 e do artigo 267, inc. VII do CPC à matéria sub judice, afasta a jurisdição estatal, in casu em obediência ao princípio do juiz natural (artigo 5º, LII da Constituição Federal de 1988).

16.É cediço que o juízo arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, ao contrário, implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre as partes, inaplicável, por isso, de forma coercitiva, tendo em vista que ambas as partes assumem o "risco" de serem derrotadas na arbitragem.

(Precedente: Resp nº 450881 de relatoria do Ministro Castro Filho, publicado no DJ 26.05.2003) 17. Destarte, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbitral, o árbitro vira juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/96, o que significa categorizá-lo como equivalente jurisdicional, porquanto terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua competência.

18. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela pública, o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem decide a respeito de sua competência.

19. Consequentemente, o fumus boni iuris assenta-se não apenas na cláusula compromissória, como também em decisão judicial que não pode ser infirmada por Portaria ulterior, porquanto a isso corresponderia verdadeiro "atentado" (art. 879 e ss. do CPC) em face da sentença proferida pelo Juízo da 42ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro.

20. A título de argumento obiter dictum pretendesse a parte afastar a cláusula compromissória, cumprir-lhe-ia anular o contrato ao invés de sobrejulgá-lo por portaria ilegal.

21. Por fim, conclui com acerto Ministério Público, verbis: "In casu, por se tratar tão somente de contrato administrativo versando cláusulas pelas quais a Administração está submetida a uma contraprestação financeira, indubitável o cabimento da arbitragem.

Não faria sentido ampliar o conceito de indisponibilidade à obrigação de pagar vinculada à obra ou serviço executado a benefício auferido pela Administração em virtude da prestação regular do outro contratante.

A arbitragem se revela, portanto, como o mecanismo adequado para a solução da presente controvérsia, haja vista, tratar-se de relação contratual de natureza disponível, conforme dispõe o artigo 1º, da Lei 9.307/96: "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis." (fls. 472/473) 22. Ex positis, concedo a segurança, para confirmar o teor da liminar dantes deferida, em que se determinava a conservação do statu quo ante, face a sentença proferida pelo Juízo da 42ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, porquanto o presente litígio deverá ser conhecido e solucionado por juízo arbitral competente, eleito pelas partes.

(MS 11308/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.04.2008, DJ 19.05.2008 p. 1)

Inteiro teor:

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=757412&sReg=200502127630&sData=20080519&formato=PDF


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