Aproveitando a leva de uma reforma no Judiciário, os deputados espanhóis modificaram o art. 23 da Lei Orgânica do Poder Judiciário daquele país. Este artigo estabelecia a tão falada Jurisdição Universal que autorizava a Audiência Nacional (órgão Judiciário independente) para julgar crimes de lesa humanidade. (O texto integral da reforma foi obtido por este blog neste link).
Após a reforma de 2003 na Bélgica, a Espanha era um dos poucos países (ou o único?) em que um dos seus tribunais mantinha a competência para julgar crimes contra os direitos humanos cometidos em qualquer rincão do planeta. Lembrem-se do caso Pinochet, cuja decisão que o manteve na Grã-Bretanha foi de um juiz (Garzón) com base neste artigo.
Mas, afinal, do que se trata a Jurisdição Universal? Refere-se de uma regra de ampliação de Jurisdição (ou competência para alguns) para que determinados tribunais nacionais (no caso espanhol a Audiência Nacional) sejam competentes para processar e julgar determinados crimes, mesmo que o caso tenha pouca ou nenhuma ligação com o país.
A lei espanhola estabelecia (e continua estabelecendo) diversas hipóteses, como crimes de genocídio, lesa-humanidade e cometidos contra menores. Antes da reforma, que foi obtida nesta quinta-feira por uma aliança de conservadores (PP) e esquerdistas (PPOE) (confira-se reportagem no El País e na BBC), a Espanha podia processar e julgar qualquer pessoa, em qualquer país. Assim, possíveis crimes cometidos por oficiais americanos (Guantânamo), israelitas (bombadeio em Gaza) e africanos (Ruanda) foram levados à investigação naquela corte.
Nem todos estão tristes com essa mudança. Dentre os aliviados, estão o governo espanhol, que sofreu até ameaças da retaliações da China por investigações a respeito do tratamento dado aos tibetanos, mas também aqueles que acreditam que se deve limitar a aplicação do direito internacional (ou até mesmo dos direitos humanos). Até mesmo o Presidente do Tribunal Supremo (Trib. Constitucional espanhol), Carlos Dívar, defendeu o fim da aplicação da lei para estrangeiros.
Apesar da falta de eficácia de uma provável decisão, ONGs ligadas aos direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Humans Right Watch, deploraram a decisão (confira-seo manifesto neste link). Defenderam que, apesar da falta de eficácia, tratava-se de um meio eficiente para pressionar os governos a reverem suas políticas e aumentar a publicidade sobre o tema.
Apesar disso, a Audiência Nacional mantém sua jurisdição para os casos anteriormente tratados mas desde que eles tenham alguma conexão com a Espanha, seja por um nacional, seja por outro motivo. Pelo menos eles, os espanhóis, vão poder continuar dormindo tranqüilos.